sexta-feira, 1 de julho de 2016

Nadir, Eurípedes e Yuri

Quando acontece de eu receber um e-mail sem ter certeza se quem assina é homem ou mulher, geralmente descubro uma pista dentro da mensagem mesmo. Ou a pessoa diz “sou sua fã” ou termina enviando “um abraço do... ”. O Nadir poderia ter feito isso, assinado “Um abraço do Nadir”, e eu não teria passado a vergonha de ter mandado uma resposta iniciando com “Querida Nadir”.
O Nadir, meu leitor, ficou bravo comigo. Disse que eu deveria saber que Nadir é um nome árabe masculino. Desculpe, Nadir. Mas é que há muitas Nadir também. Anos atrás, quando a Luiza Brunet pensou em se dedicar à carreira de atriz, ela fez um personagem de novela que se chamava Nadir. Tem coisa mais inquestionavelmente mulher do que a Luiza Brunet?
As Nadir e os Nadir talvez passem por esse tipo de engano com alguma frequência quando o contato não é visual. Por telefone, onde não raro confundimos voz de mulher e de homem, deve ser uma bola fora atrás da outra. Na hora de preencher cadastro, também. Como assim, Nadir, 1m89, 97 quilos, treinador de jiu-jitsu e casado com a Leila? Mas, ora, quem garante que uma Nadir não possa ser alta, forte e casada com uma moça? Ah, os tempos modernos. De qualquer forma, os pais, ao registrarem seus filhos, poderiam ser mais facilitadores.
Eurípedes concorda. A dona Eurípedes. Ela conta que seus três filhos já ouviram muita piada por terem como pais Roberto e Eurípedes. E a Donizete fica furiosa quando não reconhecem seu nome como sendo de mulher. Diz que a família das “etes” não deixa dúvida: Elizabete, Claudete, Bernadete, Janete. Pelo visto ela nunca ouviu falar daquele jogador que chegou à seleção e foi campeão brasileiro pelo Botafogo.
A Yuri, que é cabeleireira, também não gosta de dar explicação, mas se conformou. Sabe que existiu um Yuri Gagarin que foi mais famoso que ela. As Yuri passaram a ser confundidas com os rapazes.
Nomes estrangeiros, uma sinuca. Kim Novak, Kim Basinger, Kim Kardashian: várias gerações de Kim glamourosas, e aí surge o belo Kim Ricelli pra mostrar que é tão Kim quanto. Se for nome francês, então. Pergunte a um Renê ou a uma Etienne. Ou a uma Renê e a um Etienne.
Sasha, todos sabem, é filha da Xuxa, e não filho, mesmo com um nome russo masculino. E admito, envergonhada, que a primeira vez que ouvi falar de George Sand, nome expressivo da literatura francesa do século XIX, nem me passou pela cabeça que pudesse ser mulher. Chamava-se na verdade Amandine Aurore, mas passou a assinar seus livros como George Sand e assim ficou eternizada. O escritor moçambicano Mia Couto já recebeu vestidos e brincos de presente por conta do mesmo equívoco.
Do que se conclui que assinar e-mail com Abraço, Nadir é provocação. Por favor: do Nadir, da Nadir. E assim seremos todos felizes.
Martha Medeiros, in A graça da coisa

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