Tom
estava silencioso também, com o jeito de quem está arrependido de
ter revelado alguma coisa íntima. Apressou os passos e o pregador
imitou-o. Já podiam vislumbrar o caminho. Uma cobra deslizou
lentamente, vinda do algodoal, à beira da estrada. Tom parou perto
dela.
— Não
é venenosa, vamo deixar ela em paz — falou.
Passaram
ao lado da cobra e continuaram o caminho. A Leste, um fraco colorido
surgiu e, quase repentinamente, a solitária luz do amanhecer
espalhou-se pelo campo. Os algodoeiros reapareceram na sua plena
roupagem verde e a terra em seu tom castanho cinzento. As faces dos
homens perderam a cor pardacenta. O rosto de Joad parecia escurecer à
medida que o dia clareava.
— Essa
é uma boa hora — disse Joad. — Quando eu era criança, gostava
de levantar cedo e andar aqui pelo campos. Que é aquilo ali adiante?
Um
comitê de cachorros rodeava uma cadela na estrada, prestando-lhe
homenagens. Cinco machos, mestiços de pastor e galgo, cujas raças
se misturaram e se confundiram graças à liberdade de que
desfrutavam. Cada um deles farejava com delicadeza e depois, de
pernas rígidas, andava em direção a um pé de algodão e
molhava-o, levantando cerimoniosamente a perna traseira. Depois
voltava, para cheirá-lo. Joad e o pregador pararam para observar a
cena, e de repente Joad pôs-se a rir.
— Puxa,
que farra! — disse. Os cães, agora, reuniam-se, os dentes
arreganhados. Rosnavam, rígidos, prontos para o combate. Um dos cães
finalmente montou na cadela, e com o fato consumando-se, os outros se
limitavam a ficar olhando, fixos, línguas pendentes, gotejando. Os
dois homens seguiram o caminho.
— Puxa!
— exclamava Joad. — Que farra formidável! Sabe, eu acho que
aquele cachorro que apanhou a cadela é o nosso Flash. Pensei que já
tinha morrido. Vem, Flash! — e riu gostosamente. — Tá certo. Se
alguém me chamasse nessa hora, também não ia. Isso me faz lembrar
de uma coisa que aconteceu com o Willy Feeley, quando ele era um
rapazinho ainda. O Willy era muito tímido. Bem, um dia ele pegou uma
novilha para o touro dos Graves. Não tinha ninguém na casa dos
Graves, só a Elsie, a filha dele, o senhor sabe? E a Elsie não é
nada tímida, não tem nem um pouco de vergonha, aquela criatura.
Willy ficou ali como um palerma, vermelho como um pimentão e sem
coragem para falar. Aí, a Elsie disse: eu sei por que ocê veio pra
cá. O touro tá lá atrás do celeiro. Bem, eles pegaram a novilha e
deixaram ela perto do touro e sentaram no moirão da cerca pra ficar
olhando. Não demorou, o Willy tava ficando daquele jeito. Elsie
olhou pra ele e disse como se não fosse nada de mais: Que foi,
Willy? O Willy tava que não conseguia ficar quieto. Meu Deus —
disse ele —, até eu tô com vontade de fazer isso. E a Elsie
disse: então faz, Willy. A novilha é tua.
O
pregador riu brandamente.
— Sabe,
é uma boa coisa a gente não ser mais um pregador. Quando eu ainda
era o reverendo Casy, ninguém contava histórias assim na minha
presença, ou quando alguém contava, eu não podia rir, não ficava
bem. E também não podia praguejar. Agora praguejo quando quiser;
isso me faz um bem danado.
John
Steinbeck, in As vinhas da ira
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