sexta-feira, 6 de maio de 2016

Juana aos dezesseis

Nos navios, o sino marca os quartos de hora da vigília marinheira. Nas grutas e nos canaviais, empurra para o trabalho os índios e os escravos negros. Nas igrejas dá a hora e anuncia missas, mortes e festas.
Mas na torre do relógio, sobre o palácio do vice-rei do México, há um sino mudo. Segundo contam, os inquisidores o tiraram do campanário de uma velha aldeia espanhola, arrancaram seu badalo e o desterraram para as Índias, já não se sabe há quantos anos. Desde que mestre Rodrigo o criou em 1530, este sino tinha sido sempre claro e obediente. Tinha, dizem, trezentas vozes, segundo o toque ditado pelo sineiro, e todo mundo estava orgulhoso dele. Até que uma noite seu longo e violento repicar fez todo mundo saltar da cama. Tocava solto o sino, desatado pelo alarma ou a alegria ou sabe-se lá por quê, e pela primeira vez ninguém entendeu o sino. Juntou-se uma multidão no átrio enquanto o sino tocava sem parar, enlouquecido, e o alcaide e o padre subiram na torre e comprovaram, gelados de espanto, que ali não havia ninguém. Nenhuma mão humana o movia. As autoridades acudiram à Inquisição. O tribunal do Santo Ofício declarou nulo e sem nenhum valor o repicar deste sino, que foi calado para sempre e expulso para o exílio no México.
Juana Inês de Asbaje abandona o palácio de seu protetor, o vice-rei Mancera, e atravessa a praça principal seguida por dois índios que carregam seus baús. Ao chegar à esquina, pára e olha a torre, como se tivesse sido chamada pelo sino sem voz. Ela conhece sua história. Sabe que foi castigado por cantar por conta própria.
Juana caminha rumo ao convento de Santa Teresa a Antiga. Já não será dama de corte. Na serena luz do claustro e na solidão de sua cela, buscará o que não pôde encontrar lá fora. Quisera estudar na universidade os mistérios do mundo, mas as mulheres nascem condenadas ao quarto de bordar e ao marido que as escolhe. Juana Inês de Asbaje será carmelita descalça, e se chamará Sor Juana Inês de la Cruz.
Eduardo Galeano, in Mulheres

Nenhum comentário:

Postar um comentário