Foi
numa festa de família, dessas de fim de ano. Já que o bisavô
estava morre não morre, decidiram tirar uma fotografia de toda a
família reunida, talvez pela última vez. A bisa e o bisa sentados,
filhos, filhas, noras, genros e netos em volta, bisnetos na frente,
esparramados pelo chão. Castelo, o dono da câmara, comandou a pose,
depois tirou o olho do visor e ofereceu a câmara a quem ia tirar a
fotografia. Mas quem ia tirar a fotografia?
-
Tira você mesmo, ué.
-
Ah, é? E eu não saio na foto?
O
Castelo era o genro mais velho. O primeiro genro. O que sustentava os
velhos. Tinha que estar na fotografia.
-
Tiro eu - disse o marido da Bitinha.
-
Você fica aqui - comandou a Bitinha.
Havia
uma certa resistência ao marido da Bitinha na família. A Bitinha,
orgulhosa, insistia para que o marido reagisse. “Não deixa eles te
humilharem, Mário Cesar”, dizia sempre. O Mário Cesar ficou firme
onde estava, do lado da mulher. A própria Bitinha fez a sugestão
maldosa:
-
Acho que quem deve tirar é o Dudu...
O
Dudu era o filho mais novo de Andradina, uma das noras, casada com o
Luiz Olavo. Havia a suspeita, nunca claramente anunciada, de que não
fosse filho do Luiz Olavo.
O
Dudu se prontificou a tirar a fotografia, mas a Andradina segurou o
filho.
-
Só faltava essa, o Dudu não sair. E agora?
-
Pô, Castelo. Você disse que essa câmara só faltava falar. E não
tem nem timer!
O
Castelo impávido. Tinham ciúmes dele. Porque ele tinha um Santana
do ano. Porque comprara a câmara num duty free da Europa. Aliás, o
apelido dele entre os outros era "Dutifri", mas ele não
sabia.
-
Revezamento - sugeriu alguém. - Cada genro bate uma foto em que ele
não aparece, e...
A
idéia foi sepultada em protestos. Tinha que ser toda a família
reunida em volta da bisa. Foi quando o próprio bisa se ergueu,
caminhou decididamente até o Castelo e arrancou a câmara da sua
mão.
-
Dá aqui.
-
Mas seu Domício...
-
Vai pra lá e fica quieto.
-
Papai, o senhor tem que sair na foto. Senão não tem sentido!
-
Eu fico implícito - disse o velho, já com o olho no visor. E antes
que houvesse mais protestos, acionou a câmara, tirou a foto e foi
dormir.
Luís
Fernando Veríssimo, in Comédias para se ler na escola
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