Para
sobreviver por este mundo afora, é conveniente levar consigo uma
grande provisão de precaução
e
indulgência.
Pela primeira seremos protegidos de danos e perdas, pela segunda, de
disputas e querelas. Quem tem de viver entre os homens não deve
condenar, de maneira incondicionada, individualidade alguma, nem
mesmo a pior, a mais mesquinha ou a mais ridícula, pois ela foi
definitivamente estabelecida e ofertada pela natureza. Deve-se,
antes, tomá-la como algo imutável que, em virtude de um princípio
eterno e metafísico, tem de ser como é. Quanto aos casos mais
lamentáveis, deve-se pensar: “É preciso que haja também tais
tipos no mundo.” Do contrário, comete-se uma injustiça e
desafia-se o outro a uma guerra de vida ou morte, já que ninguém
pode mudar a sua própria individualidade, isto é, o seu carácter
moral, as suas faculdades de conhecimento, o seu temperamento, a sua
fisionomia, etc. Ora, se condenarmos o outro em toda a sua essência,
então nada lhe restará a não ser combater em nós um inimigo
mortal, pois só lhe reconhecemos o direito de existir sob a condição
de tornar-se uma pessoa diferente da que invariavelmente é.
Portanto,
para vivermos entre os homens, temos de deixar cada um existir como
é, aceitando-o na sua individualidade ofertada pela natureza, não
importando qual seja. Precisamos apenas de estar atentos para a
utilizar de acordo com o permitido pelo seu gênero
e pela sua condição, sem esperar que mude e sem condená-la pura e
simplesmente pelo que ela é. Eis o verdadeiro sentido do provérbio:
“Viver e deixar viver”. A tarefa, contudo, não é tão fácil
quanto justa; feliz é quem pode evitar para sempre certas
individualidades. Para aprender a suportar os homens, deve-se
praticar a própria paciência em relação a objetos inanimados, os
quais, em virtude de uma necessidade mecânica ou de qualquer outra
necessidade física, resistem tenazmente à nossa ação. Para tal
exercício, há oportunidade diária.
Arthur
Schopenhauer,
in Aforismos para a sabedoria
de vida
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