[…]
Por
isso me entusiasmo com a leitura de E
a história começa,
delicado livro em que Oz examina os começos de relatos célebres,
assinados por escritores como Franz Kafka, Nikolai Gógol, Raymond
Carver e García Márquez. Ele persegue o momento em que o vazio
primordial se transforma, enfim, em palavras. Em seu livro, Amós Oz
luta para delimitar o não existente que os escritores têm como
objeto. Artistas plásticos, mais afeitos às manhas da matéria, e,
por força, às sutilezas da ausência, há muito fazem o mesmo
esforço. Penso no californiano Larry Bell, um artista que, nos anos
1960, construiu cubos de espelho, ou de cristal, exatamente para
capturar o que não existe. Ele dizia: “Minhas obras não tratam de
nada, apenas ilustram o vazio e a falta de sentido”. E ficava
satisfeito com isso.
Cada
vez que começam a escrever, escritores se veem diante do mesmo
horror que atordoava Bell. Um medo mórbido, que se acerca da
paralisia, mas que, fantástico paradoxo, é o combustível da
escrita. A folha em branco e a tela vazia são a falta sobre a qual a
literatura se funda. É nelas que, em contradição com a própria
condição do nada (que, ensina o dicionário, é “nenhuma coisa,
coisa alguma”), alguma coisa se detém.
Mas
será do nada mesmo que os escritores partem? Ou essa é só uma
ilusão a que se agarram, para se proteger do pior? É o próprio
Amós Oz quem instala a dúvida, quando se lembra de Edward Said, o
falecido crítico palestino. Para Said, começar era “essencialmente
uma ação de regresso, é retroceder”. Um retorno a alguma coisa
perdida, e não um avanço a partir do zero. Prudente, ele se
apressava, contudo, a distinguir o começo da origem. A origem é
divina – ela, sim, provém do nada. O começo, ao contrário, é
humano e histórico. Mesmo partindo da página em branco, é a um
passado e a uma memória, a toda uma imaginação em retalhos, que o
escritor regressa.
A
ideia do nada, à qual eu mesmo me aferro, era, para Said, um grave
engano. Em vez de uma ausência, a folha em branco é um véu que
encobre aquilo que, oculto, pede para ser descoberto. A imaginação,
ao contrário do que creem os autores de best-sellers e os
roteiristas de Hollywood, não aceita qualquer coisa. Imaginar é
recuperar restos do passado, é dar destino a agitações sem nome e
sem forma que, sem saber, carregamos. É moldar alguma coisa que não
se vê, mas que já estava ali antes que começássemos a escrever.
José
Castello, in Sábados inquietos
Nenhum comentário:
Postar um comentário