De
repente lá vinha um homem a cavalo. Eram dois. Um senhor de fora, o
claro de roupa. Miguilim saudou, pedindo a bênção. O homem trouxe
o cavalo cá bem junto. Ele era de óculos, corado, alto, com um
chapéu diferente, mesmo.
-
Deus-te-abençoe, pequeninho. Como é teu nome?
-
Miguilim. Eu sou irmão do Dito.
-
E o seu irmão Dito é o dono daqui?
-
Não, meu senhor. O Ditinho está em glória.
O
homem esbarrava o avanço do cavalo, que era zelado, manteúdo,
formoso como nenhum outro. Redizia:
-
Ah, não sabia, não. Deus o tenha em sua guarda... Mas, que é que
há, Miguilim?
Miguilim
queria ver se o homem estava mesmo sorrindo para ele, por isso é que
o encarava.
-
Por que você aperta os olhos assim? Você não é limpo de vista?
Vamos até lá. Quem é que está em tua casa?
-
É Mãe, e os meninos...
Estava
Mãe, estava Tio Terêz, estavam todos. O senhor alto e claro se
apeou. O outro, que vinha com ele, era um camarada. O senhor
perguntava à Mãe muitas coisas do Miguilim. Depois perguntava a ele
mesmo: '- Miguilim, espia daí: quantos dedos da minha mão você
está enxergando? E agora?’
Miguilim
espremia os olhos. Drelina e a Chica riam. Tomezinho tinha ido se
esconder.
-
Este nosso rapazinho tem a vista curta. Espera aí, Miguilim...
E
o senhor tirava os óculos e punha-os em Miguilim, com todo o jeito.
-
Olha, agora!
Miguilim
olhou. Nem não podia acreditar! Tudo era uma claridade, tudo novo e
lindo e diferente, as coisas, as árvores, as caras das pessoas. Via
os grãozinhos de areia, a pele da terra, as pedrinhas menores, as
formiguinhas passeando no chão de uma distância. E tonteava. Aqui,
ali, meu Deus, tanta coisa, tudo... O senhor tinha retirado dele os
óculos, e Miguilim ainda apontava, falava, contava tudo como era,
como tinha visto. Mãe esteve assim assustada; mas o senhor dizia que
aquilo era do modo mesmo, só que Miguilim também carecia de usar
óculos, dali por diante. O senhor bebia café com eles. Era o doutor
José Lourenço, do Curvelo. Tudo podia. Coração de Miguilim batia
descompasso, ele careceu de ir lá dentro, contar à Rosa, à Maria
Pretinha, à Mãitina. A Chica veio correndo atrás, mexeu: '-
Miguilim, você é Piticego...’ E ele respondeu: '- Donazinha...’
Quando
voltou, o doutor José Lourenço já tinha ido embora.
'-
Você está triste, Miguilim?’ - Mãe perguntou.
Miguilim
não sabia. Todos eram maiores do que ele, as coisas reviravam sempre
dum modo tão diferente, eram grandes demais.
-
Pra onde ele foi?
-
A foi p'ra a Vereda do Tipã, onde os caçadores estão. Mas amanhã
ele volta, de manhã, antes de ir s'embora para a cidade. Disse que,
você querendo, Miguilim, ele junto te leva... - O doutor era homem
muito bom, levava o Miguilim, lá ele comprava uns óculos pequenos,
entrava para a escola, depois aprendia ofício. - ‘Você mesmo quer
ir?’
Miguilim
não sabia. Fazia peso para não soluçar. Sua alma, até ao fundo,
se esfriava. Mas Mãe disse:
-
Vai, meu filho. É a luz dos teus olhos, que só Deus teve poder para
te dar. Vai. Fim do ano, a gente puder, faz a viagem também. Um dia
todos se encontram…
Guimarães
Rosa, in
Manuelzão
e Miguilim
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