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Num
mundo em que a comunicação é tudo e o dinheiro sempre pouco,
conta-se aqui uma história altamente moral sobre a inutilidade da
primeira enquanto se economiza o segundo:
Chamou
o pintor e lhe encomendou a placa para anunciar a especialidade do
seu negócio: “Nesta casa se vendem ovos frescos”. Além dos
dizeres recomendou ao pintor que bolasse uma figura, uma alegoria
referente ao ramo. E perguntou quanto era. O pintor disse que ficaria
em 50.000. Cinquenta mil o quê?, indagou o comerciante, pensando,
inutilmente, numa moeda mais desvalorizada do que o cruzeiro.
Cinquenta mil cruzeiros, disse o pintor. Ah, não vale, disse então
o comerciante. Como não vale?, retrucou o pintor, ofendido em sua
arte mais do que atingido em sua economia. O senhor não poderia
reduzir um pouco?, arriscou o comerciante. Claro que posso, disse o
pintor, posso reduzir a figura e os dizeres. Como assim?, disse o
negociante? Olha, explicou o pintor, pra começo de conversa não
precisamos usar figura nenhuma. Se se diz que o senhor vende ovos não
há necessidade de colocar nenhuma galinha pintada, não é mesmo? Se
o normal são ovos de galinha, o fato de não ter nenhuma outra ave
faz com que os ovos sejam, presumivelmente, de galinha. É certo,
concordou o negociante. Então, fez o pintor, vinte mil cruzeiros de
menos. Agora também não é necessário dizer nesta casa. Se o
freguês passa por aqui e vê: “Se vendem ovos frescos”, já sabe
que é nesta casa. Ele não vai pensar que é na casa ao lado, não é
mesmo? Certíssimo!, exclamou o comerciante. Então, continuou o
pintor, por que colocar “Se vendem”? Se o freguês potencial lê
“Ovos Frescos”, já sabe que se vende. Ninguém pensaria que o
senhor vai abrir uma casa comercial para alugar ovos ou apenas para
expô-los, right? É mesmo!, espantou-se ainda mais o comerciante.
Quanto ao “Frescos”, continuou impávido o pintor, refletindo
melhor não é de boa psicologia usar essa palavra. “Frescos”
lembra sempre a hipótese contrária, a de ovos “velhos”. Não
deve nem ter passado pela cabeça do comprador a ideia de que seus
ovos podem ser outra coisa senão frescos. Portanto, tiremos também
o “frescos”! Certíssimo!, berrou o negociante, agora
profundamente entusiasmado com a dialética do pintor. Façamos,
portanto, apenas OVOS. Por favor, desenhe aí só essa palavra, bem
bonita, bem clara: OVOS! Só ovos, ovos tout court, ovos em si
mesmos, que se vendam pela sua pura e simples aparência de ovos,
pelo seu inimitável oval! Então vamos lá, concordou o pintor. Mas
antes de começar a usar o pincel, voltou-se para o negociante e
perguntou, preocupado: Mas, me diga aqui, amigo ― pensando bem, por
que vender ovos?
Millôr
Fernandes
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