quinta-feira, 10 de março de 2016

Um cartão de Natal



Onde você andou? Viajando? — perguntou o pregador.
Joad olhou-o, desconfiado.
O senhor não tem ouvido falar de mim? Meu nome saiu em todos os jornais.
Não... não sei de nada disso. Por quê? — Ele cruzou as pernas e encostou-se mais na árvore. A tarde tinha avançado rapidamente e o sol adquirira uma tonalidade mais rica.
Tom disse, em um tom jocoso:
Vou contar, pro senhor saber. Se ainda fosse um pregador, não lhe contava, com medo de que fosse rezar por mim. — Esvaziou a garrafa até à última gota e jogou fora o frasco castanho e achatado, que rolou no pó. — Estive em McAlester durante esses quatro anos — falou.
Casy encarou-o, e suas sobrancelhas desceram tanto que a testa parecia ainda maior.
Desculpe — disse. — Se soubesse não teria perguntado. Se fez alguma coisa de ruim, não precisa dizer.
O que fiz sou capaz de fazer de novo — falou Joad, com firmeza. — Matei um sujeito numa briga. Foi num baile; estávamos os dois bêbados. Ele queria me espetar com um canivete e aí eu peguei numa pá e rachei a cabeça dele.
As sobrancelhas de Casy voltaram à posição normal.
Então você não está arrependido, hein? — perguntou Casy.
Não, não estou. Peguei sete anos por causa do canivete que ele me apontou, mas me soltaram depois de quatro, porque eu andei direito lá na cadeia.
E nesses quatro anos você nada ouviu de sua família?
Ouvi, sim. A velha me mandou uma carta faz dois anos e no último Natal a minha vó me mandou um cartão. Deus, como riu o pessoal lá da cadeia! Tinha uma árvore e alguma coisa brilhante que parecia neve. E tinha um versinho, assim:

Feliz Natal, criança doce,
Jesus meigo, Jesus suave,
Debaixo da árvore
Tem um presente pra você.”

Acho que a minha vó não leu o versinho. Acho que comprou de algum mascate e escolheu o mais bonito. O pessoal lá na cadeia quase morreu de tanto rir. “Criança doce”, eles me chamavam. A minha vó, coitada, pensou que o cartão era como qualquer outro e nem se deu ao trabalho de ler, ela não queria fazer troça comigo. Ela perdeu os óculos justamente no ano que eu fui preso. Com certeza nunca mais achou eles.
John Steinbeck, in As vinhas da ira

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