Ah,
a palavra “moral”! Sempre que aparece, penso nos crimes que foram
cometidos em seu nome. As confusões que este termo engendrou abarcam
quase toda a história das perseguições movidas pelo homem ao seu
semelhante. Para além do facto de não existir apenas uma moral, mas
muitas, é evidente que em todos os países, seja qual for a moral
dominante, há uma moral para o tempo de paz e uma moral para a
guerra. Em tempo de guerra tudo é permitido, tudo é perdoado. Ou
seja, tudo o que de abominável e infame o lado vencedor praticou. Os
vencidos, que servem sempre de bode expiatório, “não têm moral”.
Pensar-se-á
que, se realmente glorificássemos a vida e não a morte, se dessemos
valor à criação e não à destruição, se acreditássemos na
fecundidade e não na impotência, a tarefa suprema em que nos
empenharíamos seria a da eliminação da guerra. Pensar-se-á que,
fartos de carnificina, os homens se voltariam contra os assassinos,
ou seja, os homens que planeiam a guerra, os homens que decidem das
modalidades da arte da guerra, os homens que dirigem a indústria de
material de guerra, material que hoje se tornou indescrivelmente
diabólico. Digo “assassinos”, porque em última análise esses
homens não são outra coisa. A sangue-frio, anos antes de estalar
qualquer conflito, preparam-se para obrigar os outros a
obedecer-lhes; enumeram mentalmente todas as formas concebíveis de
horror e destruição, e dedicam-se à tarefa calmamente,
deliberadamente, implacavelmente, esperando apenas pelo momento certo
para levarem à prática os seus planos.
(...)
Confrontados com uma nova guerra - porque uma guerra engendra sempre
outras - não poderemos esperar que estas “vítimas” se mostrem
caridosas e magnânimas. Tendo sofrido contra vontade, exigirão
inevitavelmente que os seus filhos e filhas paguem o mesmo tributo...
Portanto, o que eu digo é que, se esta escravidão de sacrifício e
vingança não é imoral, se não é a forma mais absoluta da
imoralidade, então esta palavra não tem sentido. Não estamos a ser
destruídos e corrompidos pelos escritos pornográficos ou obscenos;
estamos a ser destruídos e condenados, em todos os sentidos, pela
guerra e pelo planeamento da guerra.
Henry
Miller,
in O
Mundo do Sexo
Nenhum comentário:
Postar um comentário