– Cada
dia tenho mais problemas e menos marido! – suspira Maria del
Castillo. Aos seus pés, o tramoísta, o apontador e a primeira atriz
oferecem consolos e brisas de seu leque.
No
turvo crepúsculo, os guardas da Inquisição arrancaram Juan dos
braços de Maria e atiraram-no ao cárcere porque línguas
envenenadas dizem que ele disse, enquanto escutava o evangelho:
– Eia!
Que não tem outra coisa que viver e morrer!
Poucas
horas antes, na praça da matriz e pelas quatro ruas que dão esquina
aos mercadores, o negro Lázaro tinha apregoado as novas ordens do
vice-rei de Lima sobre os teatros de comédias.
Manda
o vice-rei, conde de Chinchón, que uma parede de pau-a-pique separe
as mulheres dos homens no teatro, sob pena de cárcere e multa a quem
invada o território do outro sexo. Também dispõe que acabem as
comédias mais cedo, ao repicarem os sinos de oração, e que entrem
e saiam homens e mulheres por portas diferentes, para que não
continuem as graves ofensas contra Deus Nosso Senhor na escuridão
dos becos. E se isso fosse pouco, o vice-rei decidiu que baixem os
preços das entradas.
– Nunca
me terá! – clama Maria. – Por muita guerra que me declare, nunca
me terá!
Maria
del Castillo, grande chefe dos cômicos de Lima, leva intactos o ar e
a beleza que a fizeram célebre, e aos sessenta longos anos ainda ri
das tapadas, que com um xale cobrem um olho: como ela tem belos os
dois, a cara descoberta olha, seduz e assusta. Era quase menina
quando escolheu este ofício de maga; e faz meio século que
enfeitiça multidões nos palcos de Lima. Mesmo que queira, explica,
já não poderia mudar o teatro pelo convento, pois não gostaria
Deus de tê-la como esposa, depois de três matrimônios tão
desfrutados.
Por
muito que agora os inquisidores a deixem sem marido e que os decretos
do governo pretendam espantar seu público, Maria jura que não
entrará na cama do vice-rei:
–
Nunca, nunca!
Contra
o vento e as marés, sozinha e solitária, ela continuará oferecendo
obras de capa e espada em seu teatro de comédias, atrás do mosteiro
de Santo Agostinho. Daqui a pouco reporá A Monja Alferez, do notável
engenho peninsular Juan Pérez de Montalbán, e estreará um par de
obras bem apimentadas, para que todos dancem e cantem e tremam de
emoção nesta cidade onde nunca acontece nada, tão chata que morrem
todos bocejando.
Eduardo
Galeano, in Mulheres
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