sábado, 26 de março de 2016

Maria

Cada dia tenho mais problemas e menos marido! – suspira Maria del Castillo. Aos seus pés, o tramoísta, o apontador e a primeira atriz oferecem consolos e brisas de seu leque.
No turvo crepúsculo, os guardas da Inquisição arrancaram Juan dos braços de Maria e atiraram-no ao cárcere porque línguas envenenadas dizem que ele disse, enquanto escutava o evangelho:
Eia! Que não tem outra coisa que viver e morrer!
Poucas horas antes, na praça da matriz e pelas quatro ruas que dão esquina aos mercadores, o negro Lázaro tinha apregoado as novas ordens do vice-rei de Lima sobre os teatros de comédias.
Manda o vice-rei, conde de Chinchón, que uma parede de pau-a-pique separe as mulheres dos homens no teatro, sob pena de cárcere e multa a quem invada o território do outro sexo. Também dispõe que acabem as comédias mais cedo, ao repicarem os sinos de oração, e que entrem e saiam homens e mulheres por portas diferentes, para que não continuem as graves ofensas contra Deus Nosso Senhor na escuridão dos becos. E se isso fosse pouco, o vice-rei decidiu que baixem os preços das entradas.
Nunca me terá! – clama Maria. – Por muita guerra que me declare, nunca me terá!
Maria del Castillo, grande chefe dos cômicos de Lima, leva intactos o ar e a beleza que a fizeram célebre, e aos sessenta longos anos ainda ri das tapadas, que com um xale cobrem um olho: como ela tem belos os dois, a cara descoberta olha, seduz e assusta. Era quase menina quando escolheu este ofício de maga; e faz meio século que enfeitiça multidões nos palcos de Lima. Mesmo que queira, explica, já não poderia mudar o teatro pelo convento, pois não gostaria Deus de tê-la como esposa, depois de três matrimônios tão desfrutados.
Por muito que agora os inquisidores a deixem sem marido e que os decretos do governo pretendam espantar seu público, Maria jura que não entrará na cama do vice-rei:
Nunca, nunca!
Contra o vento e as marés, sozinha e solitária, ela continuará oferecendo obras de capa e espada em seu teatro de comédias, atrás do mosteiro de Santo Agostinho. Daqui a pouco reporá A Monja Alferez, do notável engenho peninsular Juan Pérez de Montalbán, e estreará um par de obras bem apimentadas, para que todos dancem e cantem e tremam de emoção nesta cidade onde nunca acontece nada, tão chata que morrem todos bocejando.
Eduardo Galeano, in Mulheres

Nenhum comentário:

Postar um comentário