Quando
escrevi O peixe e o pássaro, Enriqueta Lisboa disse que a natureza é muito sábia. Que a
natureza tem o tempo de florir, o tempo de dar o fruto, o tempo da
colheita. Tem o tempo das cheias, das vazantes. A natureza tem as
quatro estações, é muito sábia. E a natureza é tão sábia que
não sentiu nenhuma necessidade de fazer um sol para adultos e outro
para crianças. A natureza, com essa sabedoria dela, nunca fez um rio
para adulto e outro para criança. E que não era inteligente fazer
uma literatura para adulto e outra para criança. Ou é literatura ou
não é literatura. Isso me marcou muito. Quando escrevo, gosto de me
perguntar se o texto escrito fica em pé sem nenhuma ilustração. Se
precisar de ilustração ou uma muleta qualquer, não vale a pena. O
texto tem que valer como texto sozinho. Quando se põe o carimbo
“para crianças”, quando tem destinatário, a gratuidade da
literatura se perde. A pergunta que coloco é: “por que a criança
pequena gosta tanto de livro, vê de frente para trás, de cabeça
para baixo, inventa história, folheia aquilo, leva para cama?”. E
por que passa a não gostar de livro quando entra para a escola? É
porque a escola vai cobrar. Muitas vezes, a literatura serve de elo.
A criança vira para o adulto e pede para ele contar uma história. O
adulto diz que não sabe e ela pede para ele contar a que contou na
noite anterior. No dia seguinte, o pedido se repete. Ela não quer
saber da história, ela está pedindo para você parar e ficar um
tiquinho com ela. A literatura se torna um pretexto para o encontro
do pai com o filho. Qualquer história serve. Ela está pedindo a sua
presença. É preciso fazer da literatura esse local de encontro. É
tão bonito quando você diz “venha cá que vou te contar uma
história”. É porque você sabe essa história de cor. E saber de
cor é saber de coração. A literatura pode ser um espaço bonito do
reencontro, da conversa, do deslanchar para outras coisas, para
outras confidências.
Bartolomeu
Campos de Queirós,
in Palestra no Teatro do Paiol, Curitiba – PR
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