A
vizinha acaricia a gaiola com o cuidado definido de uma predadora. É
mais que amor; superior dedicação.
A
gaiola tem um pano a cobri-la.
Tento
cumprimentar:
Boa
tarde, vizinha...
Nem
uma, nem duas. À terceira tentativa consegue enfiar a mão na
escuridão do pano — o secretíssimo seu segredo. Da janela, eu, o
curioso. Ela, prazerosa, no esplendor do seu sorriso. Os músculos
sólidos do antebraço regozijam-se em movimentos certeiros. Os olhos
fechados. A gaiola-mistério intacta — não há som.
Vizinha,
boa tarde...
No
céu, escurecendo, brilha uma estrela solitária, tímida. A gaiola
estremece e — oh! — é a outra mão, por baixo.
Transporta
a gaiola para outro banco mais alto. Diante dos seus seios fartos
repousa, sob o pano, o objeto coberto — quase uma extensão
daqueles. Sob o pano desapareceram os dois antebraços e o princípio
das tetas. E ela — sorri; com um nítido esgar de prazer.
Vizinha...?
Os
olhos fechados, os pés sem tocarem com firmeza no solo. Abateu-se
sobre nós uma repentina escuridão, uma ambiência ofusca.
A
vizinha acaricia a gaiola com a precisão de um felino. Uma felina. O
véu soergue-se como numa magia e julgo ver algo mais. Mas nada vejo.
Ela
espreita — num início de deslocação.
Entram
as orelhas. A nuca. Já não lhe vejo o cabelo. Não distingo o
pescoço do pano que cobre a misteriosa gaiola. Há silêncio —
esse silêncio que antecede o impossível. E, num saltinho, coisa
nenhuma, vaporosa deslocação, num “ai que me vou”, um sopro
noturno, como direi?, num momento menos havido, ela, a vizinha,
repentina e leve, levemente repentina, toda ela, ancas enormes,
pernas entroncadas, tornozelos desafogados, a vizinha, nesse “ai
que me fui”, desaparece! — como um vulto assustado. Fugaz. Ido.
Vizinha...!
A
gaiola — a secretíssima objeta, repousa sobre o banco. O véu
consta igualmente. Há a estrela.
Há
o silêncio.
E
eu:
Vizinha!,
vizinha...
Resta
só quietude.
O
chão, esse, acolhe um fiapo de cabelo, manso, que do entre-escuro
cai, flutuando, em breve errância vertical. Só.
Ondjaki,
in E se amanhã o medo
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