segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Recordação da própria felicidade

Os espelhos lívidos encontram novamente sua vida mímica. As luzes apagadas estão onde as havíamos deixado, e a nosso lado acha-se o livro de páginas ainda ligadas que folheáramos, ou a flor preciosa que usáramos no baile, ou ainda a carta que tínhamos tido receio de ler ou que tínhamos relido muitas vezes. Nada mudou. Afastada das sombras irreais da noite, ressurge a vida, na sua realidade já conhecida. Devemos retomá-la onde a deixamos e apodera-se de nós o terrível sentimento da continuidade necessária da energia no mesmo círculo monótono de hábitos estereotipados, ou então somos presas de um desejo selvagem de que nossas pálpebras se abram um dia sobre um mundo que tivesse sido refundido nas trevas para o nosso próprio prazer, um mundo onde as coisas apresentariam novas formas e cores, que teria mudado ou que teria outros segredos, um mundo em que o passado ocuparia pouco ou nenhum lugar, em que as lembranças não sobreviveriam sob a forma inconsciente de obrigação ou de pesar, uma vez que a recordação da própria felicidade oferece amarguras, assim como a lembrança do prazer já contém sua dor.”
Oscar Wilde, in O retrato de Dorian Gray

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