quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Crônica da cidade de Bogotá

Quando as cortinas baixavam a cada fim de noite, Patricia Ariza, marcada para morrer, fechava os olhos. Em silêncio agradecia os aplausos do público e também agradecia outro dia de vida roubado da morte.
Patricia estava na lista dos condenados, por pensar à esquerda e viver de frente; e as sentenças estavam sendo executadas, implacavelmente, uma após a outra.
Até sem casa ela ficou. Uma bomba podia acabar com o edifício: os vizinhos, respeitadores da lei do silêncio, exigiram que ela se mudasse.
Patricia andava com um colete à prova de balas pelas ruas de Bogotá. Não tinha outro jeito; mas era um colete triste e feio. Um dia, Patricia pregou no colete algumas lantejoulas, e em outro dia bordou umas flores coloridas, flores que desciam feito chuva sobre seus peitos, e assim o colete foi por ela alegrado e enfeitado, e seja como for conseguiu acostumar-se a usá-lo sempre, e já não o tirava nem mesmo no palco.
Quando Patricia viajou para fora da Colômbia, para atuar em teatros europeus, ofereceu o colete antibalas a um camponês chamado Julio Cañón.
Julio Cañón, prefeito do povoado de Vista-hermosa, tinha perdido à bala a família inteira, só como advertência, mas negou-se a usar o colete florido:
Eu não uso coisas de mulheres – disse.
Com uma tesoura, Patricia arrancou os brilhos e as cores, e então o colete foi aceito pelo homem.
Naquela mesma noite ele foi crivado de balas. Com colete e tudo.
Eduardo Galeano, in Mulheres

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