quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Sobre importâncias

Um fotógrafo-artista me disse outra vez: Veja que
pingo de sol no couro de um lagarto é para nós mais
importante do que o sol inteiro no corpo do mar.
Falou mais: que a importância de uma coisa não se
mede com fita métrica nem com balanças nem com
barômetros etc. Que a importância de uma coisa há
que ser medida pelo encantamento que a coisa produza
em nós. Assim um passarinho nas mãos de uma criança
é mais importante para ela do que a Cordilheira dos
Andes. Que um osso é mais importante para
o cachorro do que uma pedra de diamante. E um dente
de macaco da era terciária é mais importante para os
arqueólogos do que a Torre Eiffel. (Veja que só um
dente de macaco!) Que uma boneca de trapos que abre
e fecha os olhinhos azuis nas mãos de uma criança é
mais importante para ela do que o Empire State
Building. Que o cu de uma formiga é mais importante
para o poeta do que uma Usina Nuclear. Sem precisar
medir o ânus da formiga. Que o canto das águas e das
rãs nas pedras é mais importante para os músicos do
que os ruídos dos motores da Fórmula 1. Há um
desagero em mim de aceitar essas medidas. Porém não
sei se isso é um defeito do olho ou da razão. Se é
defeito da alma ou do corpo. Se fizerem algum exame
mental em mim por tais julgamentos, vão encontrar
que eu gosto mais de conversar sobre restos de comida
com as moscas do que com homens doutos.
Manoel de Barros

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