Três
personagens me ajudaram a compor estas
memórias.
Quero dar ciência delas. Uma, a criança;
dois,
os passarinhos; três, os andarilhos. A criança me
deu
a semente da palavra. Os passarinhos me deram
desprendimento
das coisas da terra. E os andarilhos, a
preciência
da natureza de Deus. Quero falar primeiro
dos
andarilhos, do uso em primeiro lugar que eles
faziam
da ignorância. Sempre eles sabiam tudo sobre
o
nada. E ainda multiplicavam o nada por zero —
o
que lhes dava uma linguagem de chão. Para nunca
saber
onde chegavam. E para chegar sempre de
surpresa.
Eles não afundavam estradas, mas inventavam
caminhos.
Essa a pré-ciência que sempre vi nos
andarilhos.
Eles me ensinaram a amar a natureza.
Bem
que eu pude prever que os que fogem da natureza
um
dia voltam para ela. Aprendi com os passarinhos
a
liberdade. Eles dominam o mais leve sem precisar ter
motor
nas costas. E são livres para pousar em qualquer
tempo
nos lírios ou nas pedras — sem se machucarem.
E
aprendi com eles ser disponível para sonhar. O outro
parceiro
de sempre foi a criança que me escreve. Os
pássaros,
os andarilhos e a criança em mim são meus
colaboradores
destas Memórias inventadas e doadores
de
suas fontes.
Manoel
de Barros
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