Líamos
juntos um poema de Vinicius de Moraes. Esbarraste na palavra
“báratro” e pronunciaste “barátro”, perguntando: “o que
é?” Eu corrigi tua pronúncia, mas não soube explicar o sentido
exato: “é alguma coisa como oceano ou labirinto... Vamos ver no
dicionário”.
Era
abismo, precipício, inferno. E rimos muito.
Depois
eu te ensinei a teoria de dormir na rede, e te emprestei a palavra
“ruivas” para ficar no teu poema no lugar de “fulvas”.
(Tratava-se de formigas.)
Então
eu te levei ao Arpoador e subimos até o alto. E te ofereci num gesto
largo todo o oceano com suas ilhas e todo o céu com seus ventos;
porém, estavas triste; digna e triste como olvidada princesa belga.
E
me disseste: “Sou o anjo duvidoso.” E eu disse: “Que és anjo
não tenho dúvida alguma, está na cara; mas duvidoso, talvez.”
Bebias
muita água; e trincava nos dentes a pastilha da felicidade, invenção
americana. Eu recusei: “Não; é verdade que estou meio triste, mas
não tem importância, é uma tristezinha maneira; vou tocando assim
mesmo.”
E
fomos tocando pela tarde e pela noite, de um lado e outro, como se
estivéssemos procurando uma pessoa amiga, uma pessoa que
procurávamos há tanto tempo que já havíamos esquecido quem era
mesmo. E não tinha importância. De repente ficaste mais minha amiga
e me contaste coisas amargas. Eu mirei tua boca, teus olhos e tua
testa com um profundo respeito.
Rubem
Braga, in Ai te ti, Copacabana
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