quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

Da poesia

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Como me doem as estorinhas bem delineadas, sofregamente comportadas, plenas de heróis, anti-heróis, de heroínas e vilãs; de vilas, vilarejos, de urbanidades, sertões; de palácios, palafitas; de sofrimentos, sofreguidões; de universos, regiões; de belezas, feiuras, de esplendor, horrores; de explicativas, conexões; de hipóteses, sem sínteses; de mensagens e morais; de anacrônicos, lúdicos causos; de cores, rosas-do-mundo; de sorrisos, bobices sociais; de travessas travessuras, que importa; de cronologias, limites; de ambientes, vãos; de psicologias, mistérios; de segredos, por desvendar; de tramas, tramoias, de becos, barcos, velas, epifanias; de triângulos, traidoras tentações; de nome, insinuações; de males, bens, de bons e maus, um bocado de coisas; de inconfessáveis, confissões; de destinos, carta; de remetentes, receptáculos; de meios e fins; de vera voraz, semelhança; de negativa, aflição, ambígua. Doem, essas prosas prosaicas contadas e descontadas em cada canto distraído dos outros, que de tudo falam quando nada dizem; essas aventuras aprumadas que buscam desentortar o mundo – felizmente, vasto em seu hiperbólico delírio. Mas, como doem, as histórias, sempre as mesmas, dos que vencem mesmo quando a vitória é o troféu obsoleto da vileza. De algum modo ou de todas as maneiras, importa, para que valha a pena, poetizar o texto efabulado entre rimas, repetições, aliterações, neologismos, exacerbando a trama fabular com hipérbatos, altissonâncias, pontuações e eufonias; este texto-rio desemboca no mar da poesia feito verbo-corpo repertoriado no olhar das palavras que formam a materialidade sígnica do que advém com os pecados, as virtudes, os desejos, as paixões, o amor, a esperança, o medo, a morte e a vida. Driblar a chatura das frases iguais e fugir do lugar comum, alcançar, porventura, a virgindade dos vocábulos e instalar-se na poesia, pois, poesia é sem porquê. Evoé.
R. Leontino Filho, in As ruas arejadas do verbo impuro

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