quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

A irrealidade do realismo

Traduzo um trecho de um artigo de Struthers Burt sobre a irrealidade do realismo.

Existe essa coisa como realismo no escrever, ou em outra espécie de arte, e o realismo em arte é possível? Não será a palavra ‘realismo’ em si mesma uma contradição quando aplicada a qualquer forma de arte, quer forma de expressão humana consciente e controlada? Pode-se também dizer que essa palavra está em contradição quando aplicada mesmo na suposta descrição de fatos numa coluna de jornal ou numa reportagem. O que é arte? Será a expressão humana consciente, controlada e dirigida em todas as suas miríades de manifestações, em nível alto ou baixo, movimentado ou parado, com ou sem valor, permanente ou efêmero? E o que é realismo? “Esta é uma pergunta grande, porque o que nós estamos perguntando é o que é a vida? E tendo decidido – o que não conseguimos – estamos fazendo a nós mesmos uma pergunta igualmente grande. Qual é a relação entre a arte e a vida? Qual a conexão? o cordão umbilical? E por que a arte pula da vida? e quase no mesmo tempo? e inevitavelmente? Porque nada é mais claro, ou mais provado pela História e pela Antropologia, que o homem, mal começa a sê-lo, exibe a urgência de se exprimir artisticamente. Não estava satisfeito com a forma das coisas como são, e começava a moldá-las cruamente. Depois de um tempo – em comparativamente o pequeno espaço de algumas centenas de milhares ou milhões de anos – tornou-se bastante bom, começou a pintar em paredes, a escavar intricados desenhos em ossos.”
Clarice Lispector, in A descoberta do mundo

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