Bartolomeu Campos de Queirós no Paiol Literário. Foto: Matheus Dias
Nasci
em uma cidade pequenininha no interior de Minas Gerais. Era uma
cidade que tinha três ruas. A rua de cima, a de baixo e a do meio.
Hoje o poder público já chegou lá, e a rua de cima agora se chama
Visconde do Rio Branco. A do meio, Juscelino Kubitschek; e a outra,
Benedito Valadares. O poder público entra e tira aquilo que o povo
criou e põe o nome que ele inventa, pois precisa homenagear alguém,
independentemente da cultura daquela gente.
Quando
nasci (em 1944), devia ter uns cinco mil habitantes. Meu pai era caminhoneiro e minha
mãe era uma leitora, uma grande leitora e dona de casa.
Devo
o meu gosto pela palavra também ao meu avô. Talvez ele tenha me
alfabetizado. Meu avô morava em Pitangui, uma cidade perto de
Papagaio, ganhou a sorte grande na loteria e nunca mais trabalhou.
Ele cultivou uma preguiça absoluta. Levantava pela manhã, vestia
terno, gravata e se debruçava na janela. Todo mundo que passava
falava: “Ô, seu Queirós!”. Ele falava: “Tem dó de nós”.
Só isso. O dia inteiro.
Tudo
o que acontecia na cidade, ele escrevia nas paredes de casa. Quem
morreu, quem matou, quem visitou, quem viajou. Fui alfabetizado nas
paredes do meu avô. Eu perguntava que palavra é essa, que palavra é
aquela. Eu escrevia no muro a palavra com carvão, repetia. Ele ia lá
para ver se estava certo. Na parede da casa dele, somente ele podia
escrever. Eu só podia escrever no muro. Esse meu avô tinha um gosto
absoluto pela palavra e era muito irreverente. Eu era o grande amigo
dele. Ele falava algumas coisas comigo, ele tinha umas coisas
interessantes e que ficaram.
Em
frente à casa dele moravam três moças solteiras. Maria da Fé,
Maria da Esperança e Maria da Caridade. Eu sabia quando elas
passavam na rua porque o meu avô falava três vezes: “Tem dó de
nós, tem dó de nós, tem dó de nós”. A Esperança morreu e o
meu avô me falou: “Quem disse que a Esperança é a última que
morre?”.
Quando
o cinema foi inaugurado, era um galpão muito grande, com um lençol
no meio. Quem era alfabetizado via o filme de frente porque não
podia botar o lençol no fundo do barracão, pois desfocava a imagem.
O lençol ficava no meio. Os alfabetizados ficavam na frente e liam.
Os analfabetos ficavam atrás do lençol e pagavam meio ingresso.
Viam o filme ao contrário, mas a legenda não era problema. Ninguém
lia. E o meu avô falava: “Na terra de cego quem abre cinema é
doido”.
Bartolomeu
Campos de Queirós,
in Palestra no Teatro do Paiol, Curitiba
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