Não
posso. Não posso pensar na cena que visualizei e que é real. O
filho está de noite com dor de fome e diz para a mãe: estou com
fome, mamãe. Ela responde com doçura: dorme. Ele diz: mas estou com
fome. Ela insiste: durma. Ele diz: não posso, estou com fome. Ela
repete exasperada: durma. Ele insiste. Ela grita com dor: durma, seu
chato! Os dois ficam em silêncio no escuro, imóveis. Será que ele
está dormindo? – pensa ela toda acordada. E ele está amedrontado
demais para se queixar. Na noite negra os dois estão despertos. Até
que, de dor e cansaço, ambos cochilam, no ninho da resignação. E
eu não aguento a resignação. Ah, como devoro com fome e prazer a
revolta.
Clarice
Lispector, in A descoberta do mundo
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