sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Trecho inicial de "As consequências de uma longa carta de rejeição"

Dei uma volta na rua, pensando no que tinha acontecido. Era a maior que eu já recebera. Normalmente, diziam apenas: “Lamentamos, mas esta obra não segue nossos padrões” ou, “Lamentamos, mas não temos como enquadrar seu texto em nossa linha editorial”. Ou o que era mais comum, a boa e velha rejeição impressa e padronizada.
Mas esta era a maior de todas. Era sobre o meu conto “Minhas aventuras em meia centena de pensões”. Fui até um poste de luz, retirei a carta do bolso e a reli:

Caro sr. Bukowski: De fato, trata-se de uma reunião de ideias ótimas, mas também de outras coisas tão cheias de prostitutas idolatradas, manhãs de ressaca e vômito, misantropia, elogio ao suicídio etc. que não creio que qualquer revista em circulação possa aceitar o conto. Há, no entanto, uma espécie de saga de um certo tipo de pessoa no que o senhor escreve, um trabalho feito com honestidade. É possível que publiquemos alguma coisa sua em breve, só não podemos precisar quando. Depende do senhor.
Atenciosamente,
Whit Burnett

Ah, eu conhecia aquela assinatura: o longo “h” que se curvava em direção à extremidade do “W”, e o começo do “B” que descia página abaixo.
Coloquei a carta de volta no bolso e segui caminhando pela rua.
Sentia-me muito bem. Fazia então apenas dois anos que eu estava escrevendo. Dois breves anos. Hemingway precisou de dez. E Sherwood Anderson tinha quarenta antes de publicar alguma coisa.
Enfim, me parecia que o melhor a fazer era largar a bebida e as mulheres de má fama. De toda maneira, estava difícil de conseguir uísque, e o vinho estava arruinando o meu estômago. Millie... bem, me livrar de Millie seria muito mais complicado...
...Mas Millie, Millie querida, precisamos nos lembrar da arte. Dostoiévski, Górki, a invasão russa, e agora a América quer alguém do Leste Europeu. A América está cansada de tantos Browns e Smiths. Os Browns e os Smiths são bons escritores, mas há milhares deles, todos escrevendo igual. A América deseja algo obscuro, as meditações impraticáveis e os desejos reprimidos de um homem do Leste Europeu.
Millie, Millie, seu corpo é perfeito: todo ele desce firme até os quadris, e fazer amor com você é fácil como calçar um par de luvas no auge do inverno. Seu quarto está sempre quente e alegre e você tem discos e queijos e sanduíches que me agradam. E, Millie, tem o gato também, lembra? Lembra quando era um filhotinho? Tentei ensiná-lo a dar a patinha e depois rolar, e então você me disse que ele não era um cachorro e que não ia conseguir fazer aquilo. Bem, eu consegui, não é verdade, Millie? O gato agora já cresceu e já tem seus filhotinhos. Mas a hora dele chegou, Millie: os gatos e o seu corpo perfeito e a Sexta Sinfonia do Tchaikovsky. A América precisa de um homem do Leste Europeu…
Charles Bukowski, in Pedaços de um caderno manchado de vinho

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