Um
hipotético visitante extraterreno teria dificuldade em acompanhar
uma refeição da nossa espécie sem ter ânsias de vômito. Sendo um
ser hipoteticamente perfeito, que só se alimenta de um límpido
líquido azul, nosso visitante não entenderia como os alemães
conseguem comer repolhos azedos com tanta alegria e por que os
americanos chamam o pepino estragado de “pickle” e o comem com
tudo e os franceses esperam o peixe apodrecer antes de comê-lo,
enquanto os japoneses nem esperam ele morrer. E todos se entusiasmam
com um fungo de má aparência chamado “champignon” e entram em
êxtase com outro ainda mais feio chamado “trufa”, que é
encontrado embaixo da terra por porcas no cio. Aliás, nosso ET se
engasgaria só de pensar em tudo que fazemos com os porcos, inclusive
comê-los.
Mas
o que certamente faria nosso visitante correr para o banheiro seria
descobrir que os terrenos espremem um líquido branco e gorduroso das
glândulas mamárias de um animal chamado “vaca” – e o bebem!
Depois de reanimado, o extraterreno talvez gostasse de ouvir, já que
se espanta tanto com os nossos hábitos exóticos, que a vaca é um
animal sagrado, e, portanto, intocável, na Índia, um país em que
se morre de fome. E que não apenas a vaca é sagrada, na Índia,
como suas pegadas são sagradas e, de acordo com a teologia hindu,
330 milhões de deuses vivem dentro de cada animal, e que, portanto,
matar uma vaca significaria um verdadeiro teocídio. Mas que nada
disto é tão estranho quanto parece: numa terra superpopulosa como a
Índia, a criação de gado para corte e consumo humano é
indefensável. Quando se come animais que são alimentados com grãos,
nove de dez calorias e quatro de cinco gramas de proteínas são
perdidas. O animal usa a maior parte dos nutrientes que poderiam ser
destinados ao homem. No caso, um mito religioso está a serviço de
uma racionalidade camuflada.
Convencido
de que somos uma raça, no mínimo, contraditória, o ET ainda terá
algumas experiências nojentas pela frente. Verá pessoas
destrinchando pequenos pássaros fritos com os dentes, pessoas
comendo pernas de sapos e – o que contará com mais horror quando
voltar para casa – pessoas usando alfinetes para catar o repugnante
recheio de lesmas e levá-lo à boca. Lesmas!
Luís
Fernando Veríssimo, in cultura.estadao.com.br
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