(Antes
de adormecer)
“Parece
tão horrível ser solteiro, envelhecer lutando por manter a
dignidade enquanto se pede um convite sempre que se deseja passar o
serão em companhia, tendo de levar a refeição para casa, incapaz
de esperar alguém com um sentimento de lassidão e de calma
confiança, apenas capaz de, com dificuldade e vexame, dar um
presente a alguém, tendo de dizer boa noite à porta de casa, nunca
podendo subir as escadas a correr ao lado da mulher, não tendo outra
consolação quando estiver doente que a vista da janela, se se puder
sentar na cama, tendo somente portas ao lado que dão para salas de
estar de outras pessoas, sentindo-se afastado da própria família,
com quem só pelo casamento se pode manter laços de intimidade,
primeiro pelo casamento dos pais, depois, passado o efeito deste
casamento, pelo próprio, tendo de admirar os filhos dos outros e não
lhe sendo sequer permitido continuar a dizer: Eu
não tenho nenhum,
nunca se sentindo envelhecer uma vez que não há gente da família a
crescer à volta, formando-se na aparência e no comportamento
segundo os modelos de uma ou duas pessoas solteiras que conheceu na
juventude. Tudo isto é verdade, mas é fácil cometer o erro de
desdobrar de tal maneira os sofrimentos futuros à nossa frente que
os nossos olhos têm de passar por eles e nunca mais voltar, quando,
na realidade, tanto hoje como amanhã, a pessoa permanece com um
corpo verdadeiro e uma cabeça verdadeira, e uma testa verdadeira,
para bater com a mão.”
Franz
Kafka, in
Diário (14/11/1911)
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