Estavam
esperando o bonde e fazia muito calor. Veio um bonde mas estava tão
cheio, com tanta gente pendurada nos estribos que ela apenas deu um
passo à frente, ele apenas esboçou com o braço o gesto de quem vai
pegar um balaústre – mas desistiram.
Um
homem com uma carrocinha de pão obrigou-os a recuar mais perto do
meio-fio; depois o negrinho de uma lavanderia passou com a bicicleta
tão junto que um vestido esvoaçante bateu na cara do rapaz.
Ela
se queixou de dor de cabeça; ele sentia uma dor de dente não muito
forte, mas enjoada e insistente, mas preferiu não dizer nada. Ano e
mio casados, tanta aventura sonhada, e estavam tão mal naquele
quarto de pensão no Catete, muito barulhento: “Lutaremos contra
tudo” – havia dito – e ele pensou com amargor que estavam
lutando apenas contra as baratas, as horríveis baratas do velho
sobradão. Ela apenas com um gesto de susto e nojo se encolhia a um
canto ou saía para o corredor – ele, com repugnância, ia matar o
bicho; depois, com mais desgosto ainda, jogá-lo fora.
E
havia as pulgas; havia a falta de água, e quando havia água, a fila
dos hospedes no corredor, diante da porta do chuveiro. Havia as
instalações que sempre cheiravam mal, o papel da parede amarelado e
feio, as duas velhas gordas, pintadas, da mesinha ao seu lado, que
lhe tiravam o apetite para a mesquinha comida da pensão. Toda a
tristeza, toda a mediocridade, toda a feiúra duma vida estreita onde
o mau gosto atroz e pretensioso da classe média se juntava à
minuciosa ganância comercial – um ovo era “extraordinário”,
quando eles pediam dois ovos a dona da pensão olhava com raiva,
estavam atrasados dias no pagamento.
Passou
um ônibus enorme, parou logo adiante abrindo com ruído a porta, num
grande suspiro de ar comprimido, e ela nem sequer olhou o ônibus,
era tão mais caro. Ele teve um ímpeto, segurou-a pelo braço
disposto a fazer uma pequena loucura financeira – “vamos pegar um
ônibus!” Mas o monstro se fechara e partira jogando-lhes na cara
um jato de fumaça ruim.
Ele
então chegou mais para perto dela – lá vinha outro bonde, não,
mas aquele não servia – enlaçou-a pela cintura, depois ficou
segurando seu ombro com um gesto de ternura protetora, disse-lhe
vagas meiguices, ela apenas ficou quieta. “Está doendo muito a
cabeça?” Ela disse que não. “Seu cabelo agora está mais
bonito, meio queimado de sol.” Ela sorriu levemente, mas de
repente: “ih, me esqueci da receita do médico”, pediu-lhe a
chave do quarto, ele disse que iria apanhar para ela, ela disse que
não, ela iria; quando voltou, foi exatamente a tempo de perder um
bonde quase vazio; os dois ficaram ali desanimados.
Então
um grande carro conversível se deteve um instante perto dos dois,
diante do sinal fechado. Lá dentro havia um casal, um sujeito meio
calvo de ar importante na direção, uma mulherzinha muito pintada ao
lado, sentiram o cheiro de seu perfume caro. A mulherzinha deu-lhes
um vago olhar, examinou um pouco mais detidamente a moça, correndo
os olhos da cabeça até os sapatos pobres – enquanto o senhor meio
calvo dizia alguma coisa sobre anéis, e no momento do carro partir
com um arranco macio e poderoso ouviram que a mulherzinha dizia: “se
ele deixar aquele por quinze contos, eu fico”.
Quinze
contos – isso entrou dolorosamente pelos ouvidos do rapaz, parece
que foi bater, como um soco, em seu estômago mal alimentado –
quinze contos, meses e meses de pensão! Então olhou a mulher e
achou-a tão linda e triste com uma blusinha branca, tão frágil,
tão jovem e tão querida, que sentiu os olhos arderem de vontade de
chorar de humilhação por ser tão pobre; disse: “Viu aquela vaca
dizendo que ia comprar um anel de quinze contos?”
Vinha
o bonde.
Rubem
Braga, in Os melhores contos
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