“A
nossa vida, como repertório de possibilidades, é magnífica,
exuberante, superior a todas as historicamente
conhecidas. Mas assim como o seu formato é maior, transbordou todos
os caminhos, princípios, normas e ideais legados pela tradição. É
mais vida que todas as vidas, e por isso mesmo mais problemática.
Não pode orientar-se no pretérito. Tem de inventar o seu próprio
destino.
Mas
agora é preciso completar o diagnóstico. A vida, que é, antes de
tudo, o que podemos ser, vida possível, é também, e por isso
mesmo, decidir entre as possibilidades o que em efeito vamos ser.
Circunstâncias e decisão são os dois elementos radicais de que se
compõe a vida. A circunstância – as possibilidades – é o que
da nossa vida nos é dado e imposto. Isso constitui o que chamamos o
mundo. A vida não elege o seu mundo, mas viver é encontrar-se,
imediatamente, em um mundo determinado e insubstituível: neste de
agora. O nosso mundo é a dimensão de fatalidade que integra a nossa
vida.
Mas
esta fatalidade vital não se parece à mecânica. Não somos
arremessados para a existência como a bala de um fuzil, cuja
trajetória está absolutamente pré-determinada. A fatalidade em que
caímos ao cair neste mundo – o mundo é sempre este, este de agora
– consiste em todo o contrário. Em vez de impor-nos uma
trajetória, impõe-nos várias e, consequentemente, força-nos... a
eleger. Surpreendente condição a da nossa vida! Viver é sentir-se
fatalmente forçado a exercitar a liberdade, a decidir o que vamos
ser neste mundo. Nem um só instante se deixa descansar a nossa
atividade de decisão. Inclusive
quando desesperados nos abandonamos ao que queira vir, decidimos não
decidir.
É,
pois, falso dizer que na vida decidem
as circunstâncias.
Pelo contrário: as circunstâncias são o dilema, sempre novo, ante
o qual temos de nos decidir. Mas quem decide é o nosso caráter.”
Ortega
y Gasset,
in
A Rebelião das Massas
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