Graciliano
relata em Infância – obra autobiográfica – suas
primeiras experiências de alfabetização, aterrorizantes, aliás,
tendo o pai como primeiro professor:
“Meu
pai não tinha vocação para o ensino, mas quis meter-me o alfabeto
na cabeça. Resisti, ele teimou — e o resultado foi um desastre.
Cedo revelou impaciência e assustou-me. Atirava rápido meia dúzia
de letras, ia jogar solo. À tarde pegava um côvado, levava-me para
a sala de visitas — e a lição era tempestuosa. Se não visse o
côvado, eu ainda poderia dizer qualquer coisa. Vendo-o, calava-me.
Um pedaço de madeira, negro, pesado, da largura de quatro dedos.
[...]
Enfim
consegui familiarizar-me com as letras quase todas. Aí me exibiram
outras vinte e cinco, diferentes das primeiras e com os mesmos nomes
delas. Atordoamento, preguiça, desespero, vontade de acabar-me. Veio
terceiro alfabeto, veio quarto, e a confusão se estabeleceu, um
horror de quiproquós. Quatro sinais com uma só denominação. Se me
habituassem às maiúsculas, deixando as minúsculas para mais tarde,
talvez não me embrutecesse. Jogaram-me simultaneamente maldades
grandes e pequenas, impressas e manuscritas. Um inferno. Resignei-me
– e venci as malvadas. Duas, porém, se defenderam: as miseráveis
dentais que ainda hoje me causam dissabores quando escrevo.
Sozinho
não me embaraçava, mas na presença de meu pai emudecia. Ele
endureceu algumas semanas, antes de concluir que não valia a pena
tentar esclarecer-me. Uma vez por dia o grito severo me chamava à
lição. Levantava-me, com um baque por dentro, dirigia-me à sala,
gelado. E emburrava: a língua fugia dos dentes, engrolava ruídos
confusos.”
Graciliano
Ramos, in Infância
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