A
decoração estava diferente. As toalhas eram de outra cor. Os
quadros tinham desaparecido das paredes. E ele não reconhecia nenhum
dos garçons.
– O
que houve? – perguntou a um dos desconhecidos.
–
Pardon,
monsieur?
– O
que houve com este lugar? Está tudo mudado.
– Não,
não. Desde que eu trabalho aqui, nada mudou.
– E
o Michel, que fim levou?
– Quem,
monsieur?
–
Michel,
o garçom mais antigo daqui. Um que adora cachaça. Eu sempre trago
uma cachaça para ele, do Brasil. Aliás, estou trazendo uma agora.
– Não
conheço, monsieur.
– Não
é possível. Será que ele se aposentou? Não tem ninguém que possa
me dar notícias do Michel?
–
Talvez
o Gerard. Ele está aqui há mais tempo do que eu.
– Chame
o Gerard, por favor.
*****
Alívio!
Ele reconheceu o Gerard. Já estava começando a pensar que tinha
entrado no restaurante errado. E o Gerard o reconheceu. Ou pelo menos
disse que sim, quando ele perguntou:
–
Lembra
que eu venho sempre aqui?
–
Certamente,
monsieur.
– E
o Michel, se aposentou?
–
Michel…
– Você
tem que saber quem é. O velho Michel.
–
Francamente,
eu…
– E
monsieur e a madame Geroux? Onde estão?
– Os
dois morreram, monsieur.
– O
quê?!E o restaurante ficou para a Lola?
Lola,
a de olhos cor de âmbar. Filha do casal Geroux. Linda. Ele também
sempre trazia um presente do Brasil para a Lola. Desta vez viera
disposto a convidá-la a sentar-se com ele, talvez até saírem para
passear na beira do Sena. Mas, segundo Gerard, Lola vendera o
restaurante e fora morar em Grenoble com o marido. E já era avó.
*****
De
repente ele teve uma espécie de vertigem. A Lola avó? Isso queria
dizer que o tempo passara mais depressa do que ele pensava. Muito
mais depressa. Queria dizer que ele estava delirando, sonhando ou
talvez até morto. Seria isso? Voltara ao seu restaurante preferido
depois de morto só para ter aquela revelação: nosso tempo não é
nosso. O tempo faz o que quer conosco e com a nossa memória, além
de nos envelhecer e nos matar. Quando Gerard lhe ofereceu o menu,
disse “O de sempre” e viu pelo rosto do garçom que ele não
sabia o que era o de sempre. Pediu um Clos des Jacobins como
costumava pedir e ouviu Gerard dizer que o restaurante nunca servira
aquele vinho.
*****
Na
saída do restaurante, teve uma alucinação. A torre Eiffel estava
pela metade. O topo da torre ruíra. Uma mensagem final do que o
tempo pode fazer com o ferro, o que dirá conosco.
Luís
Fernando Veríssimo
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