Na
volta do jogo, o pai dirigindo o carro, a mãe ao seu lado, o garoto
no banco de trás, ninguém dizia nada. Finalmente o pai não se
aguentou e falou:
– Você
não podia ter perdido aquela bola, Rogério.
– Luiz
Otávio… – começou a dizer a mãe, mas o pai continuou:
– Foi
a bola do jogo. Você não dividiu, perdeu a bola e eles fizeram o
gol.
– Deixa
o menino, Luiz Otávio.
– Não.
Deixa o menino não. Ele tem que aprender que, numa bola dividida
como aquela, se entra pra rachar. O outro, o loirinho, que é do
mesmo tamanho dele, dividiu, ficou com a bola, fez o passe para o gol
e eles ganharam o jogo.
– O
loirinho se chama Rubem. É o melhor amigo dele.
– Não
interessa, Margarete. Nessas horas não tem amigo. Em bola dividida,
não existe amigo.
– E
se ele machucasse o Rubem?
– E
se machucasse? O Rubem teve medo de machucar ele? Não teve. Entrou
mais decidido do que ele na bola, ficou com ela e eles ganharam o
jogo.
– Você
está dizendo para o seu filho que é mais importante ficar com a
bola do que não machucar um amigo?
– Estou
dizendo que em bola dividida ganha quem entra com mais decisão.
Amigo ou não.
– Vale
rachar a canela de um amigo pra ficar com a bola?
– Vale
entrar com firmeza, só isso. Pé de ferro. Doa a quem doer.
– É
apenas futebol, Luiz Otávio.
– Aí
é que você se engana. Não é apenas futebol. É a vida. Ele tem
que aprender que na vida dele haverão várias ocasiões em que ele
terá que dividir a bola pra rachar e….
–
Haverá
– disse Rogério, no banco de trás.
– O
quê?
– Acho
que não é “haverão”. É “haverá”. O verbo haver não…
– Ah,
agora estão corrigindo meu português. Muito bem! Eu não sou apenas
o pai insensível, que quer ver o filho quebrando pernas pra vencer
na vida. Também não sei gramática.
– Luiz
Otávio…
– Pois
fiquem sabendo que o que se aprende na vida é muito mais importante
do que o que se aprende na escola. Está me ouvindo, Rogério? Um dia
você ainda vai agradecer ao seu pai por ter lhe ensinado que na vida
vence quem entra nas divididas pra valer.
– Como
você, Luiz Otávio?
– O
quê?
– Você
dividiu muitas bolas pra subir na vida, Luiz Otávio? Não parece,
porque não subiu.
– Ora,
Margarete…
– Conta
pro Rogério em quantas divididas você entrou na sua vida. Conta por
que o Simão acabou chefe da sua seção enquanto você continuou
onde estava. Conta!
–
Margarete…
–
Conta!
– Eu
estava falando em tese…
Luís
Fernando Veríssimo
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