Os
filmes que víamos antigamente não nos prepararam para a vida. Em
alguns casos, continuam nos iludindo. Por exemplo: briga de socos.
Entre as convenções do cinema que persistem até hoje está a de
que socos na cara produzem um som que na vida real nunca se ouviu. O
choque de punho contra rosto fazia estrago nos rostos — ou não
fazia, era comum lutas em que os brigões quase se matavam a murros
terminarem sem nenhuma marca nos rostos — mas poupava os punhos. E
como sabe quem, mal informado pelo cinema, entrou numa briga a socos,
o punho quando acerta o alvo sofre tanto quanto o alvo.
No
cinema de antigamente você já sabia: quando alguém tossia, era
porque iria morrer em pouco tempo. Tosse nunca significava apenas
algo preso na garganta ou uma gripe passageira — era morte certa.
Quando um casal se beijava apaixonadamente e em seguida desparecia da
tela era sinal que tinham se deitado. E depois, não falhava: a
mulher aparecia grávida. Nunca se ficava sabendo o que acontecia,
exatamente, depois que o casal desaparecia da tela, a não ser que o
filme fosse francês. Pode-se mesmo dizer que o começo da mudança
do cinema americano começou na primeira vez em que a câmera
acompanhou a descida do casal e mostrou o que eles faziam deitados.
Depois desse momento revolucionário não demoraria até aparecerem o
beijo de língua e o seio de fora. E chegarmos ao cinema americano de
hoje, em que, de cada duas palavras ditas, uma é fucking.
Se
a vida fosse como o cinema nos dizia, nunca faltaria bala nas nossas
pistolas ou gelo no balde para o nosso uísque quando chegássemos em
casa. E sempre que tivéssemos de sair às pressas de um restaurante,
atiraríamos dinheiro em cima da mesa sem precisar contá-lo e sem
esperar que o garçom trouxesse a nota. Seria uma vida mais simples,
a cores ou em preto e branco, interrompida a intervalos por números
musicais em que cantaríamos acompanhados por violinos invisíveis, e
quando dançássemos com nossas namoradas, seria como se tivéssemos
ensaiado durante semanas, e não erraríamos um passo, e seríamos
felizes até the end.
Luís
Fernando Veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário