“A
voz o chama. Uma voz que o alegra, que faz bater seu coração.
Ajudar a mudar o destino de todos os pobres. Uma voz que atravessa a
cidade, que parece vir dos atabaques que ressoam nas macumbas da
religião ilegal dos negros. Uma voz que vem com o ruído dos bondes
onde vão os condutores e motorneiros grevistas. Uma voz que vem do
cais, do peito dos estivadores, de João de Adão, de seu pai
morrendo num comício, dos marinheiros dos navios, dos saveiristas e
dos canoeiros. Uma voz que vem do grupo que joga a luta da capoeira,
que vem dos golpes que o Querido-de-Deus aplica. Uma voz que vem
mesmo do padre José Pedro, padre pobre de olhos espantados diante do
destino terrível dos Capitães da Areia. Uma voz que vem das
filhas-de-santo do candomblé de Don'Aninha, na noite que a polícia
levou Ogum. Voz que vem do trapiche dos Capitães da Areia. Que vem
do reformatório e do orfanato. Que vem do ódio do Sem-Pernas se
atirando do elevador para não se entregar. Que vem no trem da Leste
Brasileira, através do sertão, do grupo de Lampião pedindo justiça
para os sertanejos. Que vem de Alberto, o estudante pedindo escolas e
liberdade para a cultura. Que vem dos quadros de Professor, onde
meninos esfarrapados lutam naquela exposição da rua Chile. Que vem
de Boa-Vida e dos malandros da cidade, do bojo dos seus violões, dos
sambas tristes que eles cantam. Uma voz que vem de todos os pobres,
do peito de todos os pobres. Uma voz que diz uma palavra bonita de
solidariedade, de amizade: companheiros. Uma voz que convida para a
festa da luta. Que é como um samba alegre de negro, como ressoar dos
atabaques nas macumbas. Voz que vem da lembrança de Dora, valente
lutadora. Voz que chama Pedro Bala. Como a voz de Deus chamava
Pirulito, a voz do ódio o Sem-Pernas, como a voz dos sertanejos
chamava Volta Seca para o grupo de Lampião. Voz poderosa como
nenhuma outra. Porque é uma voz que chama para lutar por todos, pelo
destino de todos, sem exceção. Voz poderosa como nenhuma outra. Voz
que atravessa a cidade e vem de todos os lados. Voz que traz com ela
uma festa, que faz o inverno acabar lá fora e ser a primavera. A
primavera da luta. Voz que chama Pedro Bala, que o leva para a luta.
Voz que vem de todos os peitos esfomeados da cidade, de todos os
peitos explorados da cidade. Voz que traz o bem maior do mundo, bem
que é igual ao sol, mesmo maior que o sol: a liberdade. A cidade no
dia de primavera é deslumbradoramente bela. Uma voz de mulher canta
a canção da Bahia. Canção da beleza da Bahia. Cidade negra e
velha, sinos de igreja, ruas calçadas de pedra. Canção da Bahia
que uma mulher canta. Dentro de Pedro Bala uma voz o chama: voz que
traz para a canção da Bahia, a canção da liberdade. Voz poderosa
que o chama. Voz de toda a cidade pobre da Bahia, voz da liberdade. A
revolução chama Pedro Bala.”
Jorge
Amado,
in Capitães da
areia
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