"Com
efeito, um dia de manhã, estando a passear na chácara,
pendurou-se-me uma ideia no trapézio que eu tinha no cérebro. Uma
vez pendurada, entrou a bracejar, a pernear, a fazer as mais
arrojadas cabriolas de volatim, que é possível crer. Eu deixei-me
estar a contemplá-la. Súbito, deu um grande salto, estendeu os
braços e as pernas, até tomar a forma de um X: decifra-me ou
devoro-te.
Essa
ideia era nada menos que a invenção de um medicamento sublime, um
emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica
humanidade. Na petição de privilégio que então redigi, chamei a
atenção do governo para esse resultado, verdadeiramente cristão.
Todavia, não neguei aos amigos as vantagens pecuniárias que deviam
resultar da distribuição de um produto de tamanhos e tão profundos
efeitos. Agora, porém, que estou cá do outro lado da vida, posso
confessar tudo: o que me influiu principalmente foi o gosto de ver
impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas, e enfim nas
caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplasto Brás Cubas.
Para que negá-lo? Eu tinha a paixão do arruído, do cartaz, do
foguete de lágrimas. Talvez os modestos me arguam esse defeito; fio,
porém, que esse talento me hão de reconhecer os hábeis.
Assim,
a minha ideia trazia duas faces, como as medalhas, uma virada para o
público, outra para mim. De um lado, filantropia e lucro; de outro
lado, sede de nomeada. Digamos: — amor da glória.
Um
tio meu, cônego de prebenda inteira, costumava dizer que o amor da
glória temporal era a perdição das almas, que só devem cobiçar a
glória eterna. Ao que retorquia outro tio, oficial de um dos antigos
terços de infantaria, que o amor da glória era a coisa mais
verdadeiramente humana que há no homem, e, conseguintemente, a sua
mais genuína feição.
Decida
o leitor entre o militar e o cônego; eu volto ao emplasto."
Machado
de Assis, in Memórias
póstumas de Brás Cubas
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