Para quê
alcançar os astros?! Para quê?! Para os desfolhar, por exemplo, como grandes
flores de luz! Vê-los, vê-os toda a gente. De que serve então ser poeta se se é
igual à outra gente toda, ao rebanho?... Eu não peço à Vida nada que ela me não
tivesse prometido, e detesto-a e desdenho-a porque não soube cumprir nem uma
das suas promessas em que, ingenuamente, acreditei, porque me mentiu, porque me
traiu sempre. Mas não choro, não, como os portugueses chorões, não tenho nada
de Jeremias, pareço-me antes com Jó, revoltado, gritando imprecações no seu
monte de estrume. Não gosto de lágrimas, de fados nem de guitarras, gosto das
belas coisas claras e simples, das grandes ternuras perfeitas, das doces
compreensões silenciosas, gosto de tudo, enfim, onde encontro um pouco de
Beleza e de Verdade, de tudo menos do bípede humano, em geral, é claro, porque
há ainda no mundo, graças a Deus, almas-astros onde eu gosto de me refletir,
almas de sinceridade e de pureza sobre as quais adoro debruçar a minha.
Florbela Espanca, in Correspondência (1930)
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