terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O livro e a América

Talhado para as grandezas, 
Pra crescer, criar, subir,
 
O Novo Mundo nos músculos
 
Sente a seiva do porvir.
 
— Estatuário de colossos —
 
Cansado doutros esboços
 
Disse um dia Jeová:
 
"Vai, Colombo, abre a cortina
 
"Da minha eterna oficina...
 
"Tira a América de lá".

Molhado inda do dilúvio, 
Qual Tritão descomunal,
 
O continente desperta
 
No concerto universal.
 
Dos oceanos em tropa
 
Um — traz-lhe as artes da Europa,
 
Outro — as bagas de Ceilão...
 
E os Andes petrificados,
 
Como braços levantados,
 
Lhe apontam para a amplidão.

Olhando em torno então brada: 
"Tudo marcha!... Ó grande Deus!
 
As cataratas — pra terra,
 
As estrelas — para os céus
 
Lá, do pólo sobre as plagas,
 
O seu rebanho de vagas
 
Vai o mar apascentar...
 
Eu quero marchar com os ventos,
 
Com os mundos... co'os
 firmamentos!!!" 
E Deus responde — "Marchar!" 

"Marchar! ... Mas como?...  Da Grécia
 
Nos dóricos Partenons
 
A mil deuses levantando
 
Mil marmóreos Panteon?...
 
Marchar co'a espada de Roma
 
— Leoa de ruiva coma
 
De presa enorme no chão,
 
Saciando o ódio profundo. . .
 
— Com as garras nas mãos do mundo,
— Com os dentes no coração?... 

"Marchar!... Mas como a Alemanha
 
Na tirania feudal,
 
Levantando uma montanha
 
Em cada uma catedral?...
 
Não!... Nem templos feitos de ossos,
 
Nem gládios a cavar fossos
 
São degraus do progredir...
 
Lá brada César morrendo:
 
"No pugilato tremendo
 
"Quem sempre vence é o porvir!"

Filhos do século das luzes! 
Filhos da Grande nação!
 
Quando ante Deus vos mostrardes,
 
Tereis um livro na mão:
 
O livro — esse audaz guerreiro
 
Que conquista o mundo inteiro
 
Sem nunca ter Waterloo...
 
Eólo de pensamentos,
 
Que abrira a gruta dos ventos
 
Donde a Igualdade vooul...

Por uma fatalidade 
Dessas que descem de além,
 
O século, que viu Colombo,
 
Viu Guttenberg também.
 
Quando no tosco estaleiro
 
Da Alemanha o velho obreiro
 
A ave da imprensa gerou...
 
O Genovês salta os mares...
 
Busca um ninho entre os palmares
 
E a pátria da imprensa achou...

Por isso na impaciência 
Desta sede de saber,
 
Como as aves do deserto
 
As almas buscam beber...
 
Oh! Bendito o que semeia
 
Livros... livros à mão cheia...
 
E manda o povo pensar!
 
O livro caindo n'alma
 
É germe — que faz a palma,
 
É chuva — que faz o mar.

Vós, que o templo das ideias 
Largo — abris às multidões,
 
Pra o batismo luminoso
 
Das grandes revoluções,
 
Agora que o trem de ferro
 
Acorda o tigre no cerro
 
E espanta os caboclos nus,
 
Fazei desse "rei dos ventos"
 
— Ginete dos pensamentos,
 
— Arauto da grande luz! ...

Bravo! a quem salva o futuro 
Fecundando a multidão! ...
 
Num poema amortalhada
 
Nunca morre uma nação.
 
Como Goethe moribundo
 
Brada "Luz!" o Novo Mundo
 
Num brado de Briaréu...
 
Luz! pois, no vale e na serra...
 
Que, se a luz rola na terra,
 
Deus colhe gênios no céu!...
Castro Alves 

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