“Meu
Deus do céu, não tenho nada a dizer. O som de minha máquina é macio. Que é que
eu posso escrever? Como recomeçar a anotar frases? A palavra é o meu meio de
comunicação. Eu só poderia amá-la. Eu jogo com elas como se lançam dados: acaso
e fatalidade. A palavra é tão forte que atravessa a barreira do som. Cada
palavra é uma ideia. Cada palavra materializa o espírito. Quanto mais palavras
eu conheço, mais sou capaz de pensar o meu sentimento.
Devemos
modelar nossas palavras até se tornarem o mais fino invólucro dos nossos
pensamentos. Sempre achei que o traço de um escultor é identificável por uma
extrema simplicidade de linhas. Todas as palavras que digo – é por esconderem
outras palavras.
Qual
é mesmo a palavra secreta? Não sei é porque a ouso? Não sei porque não ouso
dizê-la? Sinto que existe uma palavra, talvez unicamente uma, que não pode e
não deve ser pronunciada. Parece-me que todo o resto não é proibido. Mas
acontece que eu quero é exatamente me unir a essa palavra proibida. Ou será? Se
eu encontrar essa palavra, só a direi em boca fechada, para mim mesma, senão
corro o risco de virar alma perdida por toda a eternidade. Os que inventaram o
Velho Testamento sabiam que existia uma fruta proibida. As palavras é que me
impedem de dizer a verdade.
Simplesmente
não há palavras.
O
que não sei dizer é mais importante do que o que eu digo. Acho que o som da
música é imprescindível para o ser humano e que o uso da palavra falada e
escrita são como a música, duas coisas das mais altas que nos elevam do reino dos
macacos, do reino animal, e mineral e vegetal também. Sim, mas é a sorte às
vezes.
Sempre
quis atingir através da palavra alguma coisa que fosse ao mesmo tempo sem moeda
e que fosse e transmitisse tranquilidade ou simplesmente a verdade mais
profunda existente no ser humano e nas coisas. Cada vez mais eu escrevo com
menos palavras. Meu livro melhor acontecerá quando eu de todo não escrever. Eu
tenho uma falta de assunto essencial. Todo homem tem sina obscura de pensamento
que pode ser o de um crepúsculo e pode ser uma aurora.
Simplesmente as palavras do homem.”
Clarice Lispector, in
A Descoberta do Mundo
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