“O
que é o para sempre senão o existir contínuo e líquido de tudo aquilo que é
liberto da contingência, que se transforma, evolui e deságua sem cessar em praias de sensações também mutáveis? Inútil esconder: o para sempre se
achava diante de meus olhos. Um minuto ainda, apenas um minuto – e também este
escorregaria longe do meu esforço para captá-lo, enquanto eu mesmo, também para
sempre, escorreria e passaria – e comigo, como uma carga de detritos sem
sentidos e sem chama, também escoaria para sempre meu amor, meu tormento e até
mesmo minha própria fidelidade. Sim que é para sempre senão a última imagem
deste mundo – não exclusivamente deste, mas de qualquer mundo que se enovele
numa arquitetura de sonho e de permanência – a figuração de nossos jogos e
prazeres, de nossos achaques e medos, de nossos amores e de nossas traições – a
forca enfim que modela não esse que somos diariamente, mas o possível, o
constantemente inatingido, que perseguimos como se acompanha o rastro de um
amor que não se consegue, e que afinal é apenas a lembrança de um bem perdido –
quando? – num lugar que ignoramos, as cuja perda nos punge, e nos arrebata, totais,
a esse nada ou a esse tudo inflamado, injusto ou justo, onde para sempre nos
confundimos ao geral, ao absoluto, ao perfeito de que tanto carecemos.”
Lúcio Cardoso, in Diário de André
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