Navegava
Alexandre em uma poderosa armada pelo mar Eritreu a conquistar a Índia; e como
fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os
pescadores repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício: porém ele,
que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: Basta, senhor, que eu, porque
roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois
imperador? Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar
com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca,
que sabia bem distinguir as qualidades e interpretar as significações, a uns e
outros definiu com o mesmo nome: Eodem
loco ponem latronem, et piratam quo regem animum latronis et piratae habentem.
Se o rei de Macedônia, ou de qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o
pirata; o ladrão, o pirata e o rei; todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo
nome.
O
ladrão que furta para comer, não vai nem leva ao inferno: os que não só vão,
mas levam, de que eu trato, são outros ladrões de maior calibre e de mais alta
esfera; os quais debaixo do mesmo nome e do mesmo predicamento distingue muito
bem São Basílio Magno. Não só são ladrões, diz o santo, os que cortam bolsas,
ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais
própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam
os exércitos e legiões ou o governo das províncias ou a administração das
cidades, os quais já com mancha, já com forças roubam cidades e reinos: os
outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor nem perigo: os outros se
furtam, são enforcados, estes furtam e enforcam.
Diógenes que tudo via com mais aguda
vista que os outros homens viu que uma grande tropa de varas e ministros da justiça
levava a enforcar uns ladrões e começou a bradar: lá vão os ladrões grande a
enforcar os pequenos... Quantas vezes se viu em Roma a enforcar o ladrão por
ter roubado um carneiro, e no mesmo dia ser levado em triunfo, um cônsul, ou
ditador por ter roubado uma província?... De Seronato disse com discreta
contraposição Sidônio Apolinário: Nom
cessat simul furta, vel punire, vel facere. Seronato está sempre ocupado em
duas coisas: em castigar furtos, e em os fazer. Isto não era zelo de justiça,
senão inveja. Queria tirar os ladrões do mundo para roubar ele só! Declarando
assim por palavras não minhas, senão de muito bons autores, quão honrados e
autorizados sejam os ladrões de que falo, estes são os que disse, e digo levam
consigo os reis ao inferno.
Padre
Antônio Vieira
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