“Comportamo-nos
como se as pessoas de quem gostamos fossem durar para sempre. Em vida não
fazemos nunca o esforço consciente de olhar para elas como quem se prepara para
lembrá-las. Quando elas desaparecem, não temos delas a memória que nos chegue.
Para as lembrar, que é como quem diz, prolongá-las. A memória é o sopro com que
os mortos vivem através de nós. Devemos cuidar dela como da vida.
Devemos tentar aprender de cor quem
amamos. Tentar fixar. Armazená-las para o dia em que nos fizerem falta. São
pobres as maneiras que temos para o fazer, é tão fraca a memória, que todo o
esforço é pouco. Guardá-las é tão difícil. Eu tenho um pequeno truque. Quando
estou com quem amo, quando tenho a sorte de estar à frente de quem adivinho a
saudade de nunca mais a ver, faço de conta que ela morreu, mas voltou mais um
único dia, para me dar uma última oportunidade de a rever, olhar de cima a
baixo, fazer as perguntas que faltou fazer, reparar em tudo o que não vi; uma
última oportunidade de a resguardar e de a reter. Funciona.”
Miguel
Esteves Cardoso, in As Minhas Aventuras na República Portuguesa
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