Como
psicanalista, o dr. Abreu já
tratara de muita gente estranha. Um paciente tentara esgoelá-lo e saíra do consultório diretamente para o manicômio. Outro contara em detalhes toda a sua
vida, que o dr. Abreu não
demorara em identificar como sendo a vida do Thomas Edison. Por isto o dr.
Abreu não se
surpreendeu quando a primeira coisa que aquela nova paciente disse foi:
- Eu posso não estar aqui.
O dr. Abreu pediu, sorrindo, para ela
explicar. Ela disse:
- Eu nunca sei se estou sonhando ou não estou. É por isto que eu estou aqui.
- Então você está
aqui – disse o
dr. Abreu.
- Se eu não estiver sonhando. Eu posso estar na
minha cama, dormindo, e sonhando que estou aqui.
- O que não a impede de falar, e me contar os seus
problemas.
- Meu problema é um só. Não
consigo distinguir sonho de realidade.
- Muito bem. Vamos supor que isto seja um
sonho. Que eu também não esteja aqui, e sim no seu sonho.
Podemos fazer a sessão
assim mesmo. Com a vantagem que você
não precisará pagá-la,
já que é tudo um sonho.
- O senhor acha?
- Acho. Deite-se, por favor.
- Aqui, no divã?
- Por favor.
O dr. Abreu pediu para ela contar desde
quando confundia sonho com realidade. Ela respondeu que desde criança. Ela se lembrava de algum trauma de infância que pudesse ter desencadeado a
confusão? Não, não.
Na verdade sua infância
tinha sido um sonho. Ou então
ela sonhara que tinha sido um sonho. Era difícil dizer.
- Você nunca fez um teste para saber se era
sonho ou não?
- Como, teste?
- Por exemplo, tentar fazer uma coisa
completamente impossível.
Voar. Sair voando pela janela. Se você
conseguir voar, é sonho.
Se não, não é.
- Me belisque.
- Como?
- É
um teste. Me belisque. Se eu sentir, não
é sonho.
- Desculpe, mas eu não posso beliscá-la. Não posso tocá-la. Seria antiético.
- Só
se não fosse
sonho. Se fosse, não teria
importância.
Sonho não tem ética, não tem moral, não tem regras, não tem lógica. Num sonho nada é impossível, nada é proibido. Me belisque.
- Não
posso.
- Você não
quer me ajudar? Seria um beliscão
terapêutico.
Para acabar com as minhas dúvidas.
- Desculpe.
- Você prefere que eu tente sair voando pela
janela. É isso?
- Não,
eu….
- A verdade é que você não
tem certeza se isto é
um sonho ou não. É ou não é?
- Claro que não. Eu tenho certeza que isto é a realidade.
- Então me belisque, para provar.
- Não.
- Me belisque!
- Não
posso.
- Me belisque!
Naquele momento, o dr. Abreu pensou no
seu velho sonho de largar a profissão
se retirar para um sítio,
longe da voz humana.
Luis
Fernando Veríssimo
Nenhum comentário:
Postar um comentário