“Lembrava-se
de ter visto o pai uma vez, alguns dias depois da morte de Omar, sozinho
debaixo do gigantesco carvalho. O carvalho era mais alto do que qualquer coisa
em Shadbagh, e a coisa viva mais velha da aldeia. O pai disse que não se
surpreenderia se a árvore tivesse visto o imperador Babur conduzindo seu
exército para tomar Cabul. Contou que havia passado metade da infância à sombra
daquela copa maciça ou galgando seus longos galhos. O pai dele, avô de
Abdullah, amarrara uma longa corda a um de seus galhos mais grossos e
construíra um balanço, uma geringonça que sobrevivera a incontáveis gerações
inclementes e até ao próprio velho. O pai disse que costumava se revezar com
Parwana e a irmã Masooma naquele balanço, quando todos eram crianças.
Mas,
naqueles dias, o pai estava cansado demais do trabalho quando Pari o puxava
pela manga e pedia para ser empurrada no balanço.
Talvez amanhã, Pari.
Só um pouquinho, baba. Por
favor, levante.
Agora, não. Em outra
ocasião.
E
ela acabava desistindo, largava a manga dele e saía de perto, resignada. Às
vezes, o rosto magro do pai desabava ao ver Pari se afastando. Virava-se na
cama, puxava o acolchoado e fechava os olhos cansados.
Abdullah não conseguia imaginar que o pai
tivesse brincado alguma vez em um balanço. Não conseguia imaginar que o pai
tivesse um dia sido garoto como ele. Um garoto. Despreocupado, com leveza nos
pés. Correndo pelo campo aberto com os amigos. O pai cujas mãos eram cheias de
cicatrizes, cujo rosto era rabiscado por profundas linhas de exaustão. O pai,
que poderia muito bem já ter nascido com uma pá na mão e barro sob as unhas.”
Khaled
Hosseini, in O silêncio das montanhas
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