segunda-feira, 19 de maio de 2014

Meu pai


“Lembrava-se de ter visto o pai uma vez, alguns dias depois da morte de Omar, sozinho debaixo do gigantesco carvalho. O carvalho era mais alto do que qualquer coisa em Shadbagh, e a coisa viva mais velha da aldeia. O pai disse que não se surpreenderia se a árvore tivesse visto o imperador Babur conduzindo seu exército para tomar Cabul. Contou que havia passado metade da infância à sombra daquela copa maciça ou galgando seus longos galhos. O pai dele, avô de Abdullah, amarrara uma longa corda a um de seus galhos mais grossos e construíra um balanço, uma geringonça que sobrevivera a incontáveis gerações inclementes e até ao próprio velho. O pai disse que costumava se revezar com Parwana e a irmã Masooma naquele balanço, quando todos eram crianças.
Mas, naqueles dias, o pai estava cansado demais do trabalho quando Pari o puxava pela manga e pedia para ser empurrada no balanço.
Talvez amanhã, Pari.
Só um pouquinho, baba. Por favor, levante.
Agora, não. Em outra ocasião.
E ela acabava desistindo, largava a manga dele e saía de perto, resignada. Às vezes, o rosto magro do pai desabava ao ver Pari se afastando. Virava-se na cama, puxava o acolchoado e fechava os olhos cansados.
Abdullah não conseguia imaginar que o pai tivesse brincado alguma vez em um balanço. Não conseguia imaginar que o pai tivesse um dia sido garoto como ele. Um garoto. Despreocupado, com leveza nos pés. Correndo pelo campo aberto com os amigos. O pai cujas mãos eram cheias de cicatrizes, cujo rosto era rabiscado por profundas linhas de exaustão. O pai, que poderia muito bem já ter nascido com uma pá na mão e barro sob as unhas.”
Khaled Hosseini, in O silêncio das montanhas

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