João-de-barro
é um bicho bobo que ninguém pega, embora goste de ficar perto da gente, mas de
dentro daquela casa de João-de-barro vinha uma espécie de choro, um chorinho
fazendo tuim, tuim, tuim...
A
casa estava num galho alto, mas um menino subiu até perto, depois com uma vara
de bambu conseguiu tirar a casa sem quebrar e veio baixando até o outro menino
apanhar. Dentro, naquele quartinho que fica bem escondido depois do corredor de
entrada para o vento não incomodar, havia três filhotes, não de João-de-barro,
mas de tuim.
Você
conhece, não? De todos esses periquitinhos que tem no Brasil, tuim é capaz de
ser menor. Tem bico redondo e rabo curto e é todo verde, mas o macho tem umas
penas azuis para enfeitar. Três filhotes, um mais feio que o outro, ainda sem
penas, os três chorando.
O
menino levou-os para casa, inventou comidinhas para eles, um morreu, outro
morreu, ficou um. Geralmente se cria em casa é casal de tuim, especialmente
para se apreciar o namorinho deles.
Mas
aquele tuim macho foi criado sozinho e, como se diz na roça, criado no dedo.
Passava o dia solto, esvoaçando em volta da casa da fazenda, comendo
sementinhas de imbaúba. Se aparecia uma visita fazia-se aquela demonstração:
era o menino chegar na varanda e gritar para o arvoredo: tuim, tuim, tuim! Às
vezes demorava, então a visita achava que aquilo era brincadeira do menino, de
repente surgia a ave, vinha certinho pousar no dedo do garoto.
Mas
o pai disse: "menino, você está criando muito amor a esse bicho, quero
avisar: tuim é acostumado a viver em bando. Esse bichinho se acostuma assim,
toda tarde vem procurar sua gaiola para dormir, mas no dia que passar pela
fazenda um bando de tuins, adeus. Ou você prende o tuim ou ele vai embora com
os outros, mesmo ele estando preso e ouvindo o bando passar, esta arriscado ele
morrer de tristeza".
E
o menino vivia de ouvido no ar com medo de ouvir bando de tuim.
Foi
de manhã, ele estava cantando minhoca para pescar quando viu o bando chegar,
não tinha engano: era tuim, tuim, tuim... Todos desceram ali mesmo em
mangueiras, mamonas e num bambuzal, dividido em partes. E o seu? Já tinha
sumido, estava no meio deles, logo depois todos sumiram para uma roça de arroz,
o menino gritava com o dedinho esticado para o tuim voltar; nada.
Só
parou de chorar quando o pai chegou a cavalo, soube da coisa e disse: “Venha
cá". E disse: "O senhor é um homem, estava avisado do que ia
acontecer, portanto, não chore mais".
O
menino parou de chorar, pois seu pai o havia consolado, mas como doía seu
coração! De repente, olhe o tuim na varanda! Foi uma alegria na casa que foi
uma beleza, até o pai confessou que ele também estivera muito infeliz com o
sumiço do tuim.
Houve
quase um conselho de família, quando acabaram as férias: deixar o tuim, levar o
tuim para São Paulo? Voltaram para a cidade com o tuim, o menino toda hora
dando comidinha a ele na viagem. O pai avisou: "aqui na cidade ele não
pode andar solto, é um bicho da roça e se perde, o senhor está avisado".
Aquilo
encheu de medo o coração do menino. Fechava as janelas para soltar o tuim
dentro de casa, andava com ele no dedo, ele voava pela sala, a mãe e a irmã não
aprovavam, o tuim sujava dentro de casa.
Soltar
um pouquinho no quintal não devia ser perigo, desde que ficasse perto, se ele
quisesse voar para longe era só chamar, que voltava, mas uma vez não voltou.
De
casa em casa, o menino foi indagando pelo tuim: "que é tuim?"
perguntavam pessoas ignorantes. "Tuim?" Que raiva! Pedia licença para
olhar no quintal de cada casa, perdeu a hora de almoçar e ir para a escola, foi
para outra rua, para outra.
Teve
uma ideia, foi ao armazém de "seu" Perrota: "Tem gaiola para
vender?" Disseram que tinha. "Venderam alguma gaiola hoje?"
Tinham vendido uma para uma casa ali perto.
Foi
lá, chorando, disse ao dono da casa: "se não prenderam o meu tuim então
por que o senhor comprou gaiola hoje?"
O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. "Não senhor, o tuim é meu, foi criado por mim". Voltou para casa com o tuim no dedo.
O homem acabou confessando que tinha aparecido um periquitinho verde sim, de rabo curto, não sabia que chamava tuim. Ofereceu comprar, o filho dele gostara tanto, ia ficar desapontado quando voltasse da escola e não achasse mais o bichinho. "Não senhor, o tuim é meu, foi criado por mim". Voltou para casa com o tuim no dedo.
Pegou
uma tesoura: era triste, era uma judiação, mas era preciso, cortou as asinhas,
assim o bichinho poderia andar solto no quintal, e nunca mais fugiria.
Depois foi dentro de casa para fazer uma coisa que estava precisando fazer, e,
quando voltou para dar comida a seu tuim, viu só algumas penas verdes e as
manchas de sangue no cimento. Subiu num caixote para olhar por cima do muro, e
ainda viu o vulto de um gato ruivo que sumia.
Acabou-se a história do tuim.
Rubem
Braga, in Ai de ti, Copacabana!
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