Pôs
a mão no tronco de uma árvore pequena, sacudiu um pouco, e
recebeu nos cabelos e na cara as gotas de água
como se fosse uma benção.
Ali perto mesmo a cidade murmurava, estava com seus ruídos vespertinos, ranger de bondes,
buzinar impacientes de carros, vozes indistintas; mas ele via apenas algumas árvores, um canto de mato, uma pedra
escura. Ali perto, dentro de uma casa fechada, um telefone batia, silenciava,
batia outra vez, interminável,
paciente, melancólico.
Alguém, com
certeza já sem
esperança,
insistia em querer falar com alguém.
Por um instante, o homem voltou seu
pensamento para a cidade e sua vida. Aquele telefone tocando em vão era um dos milhões de atos falhados da vida urbana.
Pensou no desgaste nervoso dessa vida, nos desencontros, nas incertezas, no
jogo de ambições e
vaidades, na procura de amor e de importância,
na caça ao
dinheiro e aos prazeres. Ainda bem que de todas as cidades do mundo o Rio é a única
a permitir a evasão fácil para o mar e a floresta. Ele estava
ali num desses limites entre a cidade dos homens e a natureza pura; ainda
pensava em seus problemas urbanos –
mas um camaleão correu
de súbito, um
passarinho piou triste em algum ramo, e o homem ficou atento àquela humilde vida animal e também à
vida silenciosa e úmida das
árvores, e à pedra escura, com uma pele de musgo e
seu misterioso coração
mineral.
E pouco a pouco ele foi sentindo uma paz
naquele começo de
escuridão,
sentiu vontade de deitar e dormir entre a erva úmida, de se tornar um confuso ser
vegetal, num grande sossego, farto de terra e de água; ficaria verde, emitiria raízes e folhas, seu tronco seria um tronco
escuro, grosso, seus ramos formariam copa densa, e ele seria, sem angustia nem
amor, sem desejo nem tristeza, forte, quieto, imóvel, feliz.
Rubem
Braga
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