O
sentido de clássico aí é na acepção histórica mesmo e não nessa avacalhação que
deram à palavra “clássico”, que vai desde adjetivar um livro famoso até o
ridículo de nominar uma infame pelada do Vasco contra o Flamengo.
Estou falando da era clássica, no palco
da filosofia exibida em praça pública, nas ágoras da Grécia, onde se discutia
ética, moral, arte e política.
E me detenho numa frase de Sócrates, para
dar mote ao texto. “Eu só sei que nada sei”. Até hoje não se sabe se ele disse
mesmo essa bobagem. Vamos partir da premissa de que ele a pronunciou.
Então podemos afirmar que Sócrates seria
um desonesto. Ora, se alguém sabe que nada sabe como se explica ele ter
dedicado a vida e a sacrificado em nome do ensinamento? Transformando praças em
salas de aula a céu aberto, onde ensinava ética, moral, comportamento,
filosofia e costumes.
Outra forma de compreender essa citação
repousa no campo do desabafo. Sócrates detinha o afeto de alunos e discípulos,
mas era alvo de ódios e invejas. O poder sentia-se ameaçado e os invejosos
sentiam-se diminuídos. Basta ver os textos que se seguiram à sua atuação, que
vai do achincalhe de Aristófanes até as defesas de Xenofonte, Platão e
Aristóteles.
O desabafo seria uma demonstração de
cansaço ante a estupidez da inveja e o medo que os poderosos têm dos críticos,
dedicando-lhes como homenagem a própria perseguição.
Ninguém pode dizer que nada sabe. E muito
menos que sabe muito sobre tudo. Os especialistas sabem muito sobre muito
pouco. Os generalistas sabem pouco sobre muitas coisas. Mas ninguém detém
sabedoria em vastidão, que dispense o estudo; nem ignorância plena, que o
isente dos atropelos de aprender ou ensinar. Essa ignorância total reside
apenas na licença poética de Manoel de Barros, cuja poesia, como poucas, é um
estuário de instrução.
Outra questão é a confissão de
ignorância. Tive um professor de Direito, pouco culto, que ensinava: “Nunca
confesse sua ignorância”. Essa é uma lição cretina. Não há por que negar ignorância
sobre o que não se sabe.
Porém, há momentos apropriados para essa
confissão. Imagine um professor, ao iniciar a aula, dizer que vai ensinar algo
que não sabe. Ficará alguém na sala?
Um cardiologista, na véspera de operar
alguém, dizer ao paciente que nada entende dos mecanismos do coração. Ou um
dentista, de motorzinho ligado, dizer ao cliente que ainda não compreendeu
causas e efeitos da cárie.
O problema reside nas duas pontas dos
extremos. Nem a petulância de exibir um conhecimento discutível nem a
hipocrisia da modéstia de miçanga do “nada sei”. Todos nós sabemos, não tanto
que se ache isento de aprender nem tão pouco que se julgue um jegue entre
togados.
Fico com a lição de Lin Yu Tang: Só
envelhece que perde a capacidade de amar, de aprender e revoltar-se. Té mais.
François Silvestre, in
www.substantivoplural.com.br
Acho que a frase atribuída a Sócrates pode ser explicada por esta outra de William Shakespeare: "Há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia". Vejo na frase de Sócrates o reconhecimento de que nosso conhecimento é nada diante do desconhecido e não uma questão de falsa modéstia.
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