"Entre os atributos mais
surpreendentes da alma humana”, diz Lotze, “está, ao lado de tanto egoísmo
individual, uma ausência geral de inveja de cada presente com relação a seu
futuro”. Essa reflexão conduz-nos a pensar que nossa imagem da felicidade é
totalmente marcada pela época que nos foi atribuída pelo curso da nossa
existência. A felicidade capaz de suscitar nossa inveja está toda, inteira, no
ar que já respiramos, nos homens com os quais poderíamos ter conversado, nas
mulheres que poderíamos ter possuído. Em outras palavras, a imagem da
felicidade está indissoluvelmente ligada à da salvação. O mesmo ocorre com a
imagem do passado, que a história transforma em coisa sua. O passado traz
consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois não somos tocados
por um sopro do ar que foi respirado antes? Não existem, nas vozes que
escutamos, ecos de vozes que emudeceram? Não têm as mulheres que cortejamos
irmãs que elas não chegaram a conhecer? Se assim é, existe um encontro secreto,
marcado entre as gerações precedentes e a nossa. Alguém na terra está à nossa
espera. Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força
messiânica para a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser
rejeitado impunemente".
Walter
Benjamin, in Teses sobre o conceito de história
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