Mesmo
a grafia indicando som aberto, a sonoridade do mato consagrou o som fechado,
massapê. Mais bonito e mais próximo da sua compleição. Até porque cada palavra
acaba incorporando na sonoridade da pronúncia o formato da coisa nominada.
Quando
no sertão, vítima das secas e dos teóricos distantes, que se arvoram em
conhecedores das dores daqui, as primeiras chuvas do ano adocicam a seiva dos
tabuleiros e recepcionam a maciez colorida do capim de seda, o plantador de
feijão remexe com as mãos a umidade do massapê. Depois, põe a mão em forma de
aba sobre os olhos e paquera as torres do Nascente.
Os
primeiros brotos da cebola braba animam-se nos quintais anunciando mais uma
espera. Junta-se a eles o cantar dobrado do sabiá, que só canta assim nas
vésperas de chuva. Em ano de seca fechada, o sabiá trina uma toada linear, sem
dobra, sem risco do desafino. Ele não quer iludir as sementes guardadas num
frasco de plástico, longe do gorgulho, que semearão a terra molhada para a
colheita no tempo das fogueiras.
Quem
sabe disso tudo é Tico de Quinola, habitante da ponta do banco de cumaru, na
parte oeste do balcão da bodega de Priquitim, onde ele se aboleta desde cedo, a
receber agrados de cachaça, acompanhada de pequenos pedaços de laranja ou mais
raramente um naco de queijo de coalho.
Fala
pouco, como toda gente sabida. Ouve primeiro, para não desagradar a opinião do
freguês passante. Pode lhe custar uma dose perdida. Já foi aluno do “Almino
Afonso”.
“Tão
falando numa seca verde”, diz Leon de Amância, puxando conversa. Não foi
suficiente pra Tico manifestar-se. Aguardou mais alguma extensão da fala. “Nem
sei o que danado é isso, seca verde”? Essa observação meio pergunta de Leon foi
a deixa pra ele expor sua opinião sem medo.
“Seca
verde é o governo. Nós aqui só conhecemos secas cinza”. Falou animado, já
recebendo uma boa bicada do visitante, acompanhada duma lasca de queijo. E aí
deitou lição: “Mostrar juazeiro verde, mesmo na seca, não é vantagem. Nem
floração do mofumbo. Nem pingos nas rochas da Casa de Pedra. Pra isso não se
precisa das promessas calejadas do governo. E quem enricou com promessa foi São
Severino dos Ramos”.
Nas
telas das TVs do Sudeste, o Nordeste aparece muito rapidamente, nas previsões
do tempo. E o Rio Grande do Norte inexiste. A moça passa a mão depressa pelo
mapa daqui, enquanto se detém demoradamente nas nuvens de cada pedaço dos
Estados de lá.
Mesmo
assim, o furabarreira continua animando o matuto. O inchu e o inchuí tão nem
aí. Enchem de mel claro suas capas, como a dar o dedo aos “sertanistas” de
longe. Não conhecem nem as cidades onde moram e exibem cultura, querem conhecer
o Sertão, que não permitiu ainda suas entranhas a ninguém. Quando muito, uma
brecha à linguagem.
Enquanto isso, Tico de Quinola toma mais
uma no cumaru de Priquitim. Té mais.
François
Silvestre, in Novo
Jornal, de 01/03/2014
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