terça-feira, 4 de março de 2014

A brusca poesia da mulher amada (II)

A mulher amada carrega o cetro, o seu fastígio 
É máximo. A mulher amada é aquela que aponta para a noite 
E de cujo seio surge a aurora. A mulher amada 
É quem traça a curva do horizonte e dá linha ao movimento dos astros. 
Não há solidão sem que sobrevenha a mulher amada 
Em seu acúmen. A mulher amada é o padrão índigo da cúpula 
E o elemento verde antagônico. A mulher amada 
É o tempo passado no tempo presente no tempo futuro 
No sem tempo. A mulher amada é o navio submerso 
É o tempo submerso, é a montanha imersa em líquen. 
É o mar, é o mar, é o mar a mulher amada 
E sua ausência. Longe, no fundo plácido da noite 
Outra coisa não é senão o seio da mulher amada 
Que ilumina a cegueira dos homens. Alta, tranqüila e trágica 
É essa que eu chamo pelo nome de mulher amada. 
Nascitura. Nascitura da mulher amada 
É a mulher amada. A mulher amada é a mulher amada é a mulher amada 
É a mulher amada. Quem é que semeia o vento? - a mulher amada! 
Quem colhe a tempestade? - a mulher amada! 
Quem determina os meridianos? - a mulher amada! 
Quem a misteriosa portadora de si mesma? A mulher amada. 
Talvegue, estrela, petardo 
Nada a não ser a mulher amada necessariamente amada 
Quando! E de outro não seja, pois é ela 
A coluna e o gral, a fé e o símbolo, implícita 
Na criação. Por isso, seja ela! A ela o canto e a oferenda 
O gozo e o privilégio, a taça erguida e o sangue do poeta 
Correndo pelas ruas e iluminando as perplexidades. 
Eia, a mulher amada! Seja ela o princípio e o fim de todas as coisas. 
Poder geral, completo, absoluto à mulher amada!
Vinicius de Moraes

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