Medo. Medo de escrever e não sair nada.
Não rimar condão com fada. Não confrontar a metáfora com a ênclise, atrás da
porta que acabei de grafar. Medo do til ter medo de altura, e transformar meu
ão em um monossilábico ao, com a redução do o a u, uma semivogal. Medo do i não
aceitar o pingo, e ao lado de um zero, formar uma facção de códigos binários.
Medo do ar não entrar pelo fonema, e este nunca sair nasal. Medo do texto
atonal. Medo da falta de rimas métricas e assimétricas. Medo de sequestro de
letras. Do papel em branco. Medo do silêncio do teclado. Do estado hiperbólico
das sentenças. Morrer de medo. Estar aquém de um grande verso. Medo do reverso
da poética. A metálica forma do medo. Medo de escrever plástico só por sua
acepção. Medo das crases. Dos acentos circunflexos, por não existirem os
circônflacos. Medo dos flancos do dois pontos. Medo do assombro sem exclamação.
Medo do não com ponto final. Do mal uso da cedilha. Das filhas da letra ésse
quando se unem aos verbos. Do que fazem com eles. Medo da interrogação. Medo de
títulos e epígrafes. Medo de gafes. Medo da origem das palavras. Se nascem
mortas de medo. Medo das línguas esquecidas serem as mesmas das quais me
lembro. Medo de abuso do texto. Do limite de linhas. Dos rodapés e rubricas.
Medo que o trema não seja nunca mais utilizado. E com ele vá-se embora toda a
intriga. Medo da falta de idéias. Ou do extremo oposto. Algumas delas
ressurgirem do esquecimento para o repetido uso. Medo do p e b mudos. Do hífen
do contra-ataque da curva dramática de um texto. Do abandono entre parênteses
das reticências por medo. Medo do travessão e da vírgula. Do narrador e da
terceira pessoa. Do protagonista. Do epílogo. De uma frase sair à toa. Medo de
assinar o final do texto. Da confissão do confuso. Do mal hábito de sentir tudo
muito absurdo. E saltar. Soltar a folha cheia de medos por cima do resto do
mundo.
Ana Peluso, in
www.releituras.com
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