Quem
teve a ideia foi o padrinho da caçula - ele me conta. Trouxe o cachorro de
presente e logo a família inteira se apaixonou pelo bicho. Ele até que não é
contra isso de se ter um animalzinho em casa, desde que seja obediente e com um
mínimo de educação.
—
Mas o cachorro era um chato — desabafou.
Desses
cachorrinhos de raça, cheio de nhém-nhém-nhém, que comem comidinha especial,
precisam de muitos cuidados, enfim, um chato de galocha. E, como se isto não
bastasse, implicava com o dono da casa.
—
Vivia de rabo abanando para todo mundo, mas, quando eu entrava em casa, vinha
logo com aquele latido fininho e antipático de cachorro de francesa.
Ainda
por cima era puxa-saco. Lembrava certos políticos da oposição, que espinafram o
ministro, mas quando estão com o ministro ficam mais por baixo que tapete de
porão. Quando cruzavam num corredor ou qualquer outra dependência da casa, o
desgraçado rosnava ameaçador, mas quando a patroa estava perto abanava o
rabinho, fingindo-se seu amigo.
—
Quando eu reclamava, dizendo que o cachorro era um cínico, minha mulher brigava
comigo, dizendo que nunca houve cachorro fingido e eu é que implicava com o
"pobrezinho".
Num
rápido balanço poderia assinalar: o cachorro comeu oito meias suas, roeu a
manga de um paletó de casimira inglesa, rasgara diversos livros, não podia ver
um pé de sapato que arrastava para locais incríveis. A vida lá em sua casa
estava se tornando insuportável. Estava vendo a hora em que se desquitava por
causa daquele bicho cretino. Tentou mandá-lo embora umas vinte vezes e era uma
choradeira das crianças e uma espinafração da mulher.
—
Você é um desalmado — disse ela, uma vez.
Venceu
a guerra fria com o cachorro graças à má educação do adversário. O cãozinho
começou a fazer pipi onde não devia. Várias vezes exemplado, prosseguiu no feio
vício. Fez diversas vezes no tapete da sala. Fez duas na boneca da filha maior.
Quatro ou cinco vezes fez nos brinquedos da caçula. E tudo culminou com o pipi
que fez em cima do vestido novo de sua mulher.
—
Aí mandaram o cachorro embora? — perguntei.
—
Mandaram. Mas eu fiz questão de dá-lo de presente a um amigo que adora
cachorros. Ele está levando um vidão em sua nova residência.
—
Ué... mas você não o detestava? Como é que arranjou essa sopa pra ele?
—
Problema da consciência — explicou: — O pipi não era dele.
E suspirou cheio de remorso.
Sérgio
Porto, o Stanislaw Ponte Preta,
in Garoto linha dura
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