“A plenitude é pois uma
precipitação: alguma coisa se condensa, abate-se sobre mim, fulmina-me. O que
me repleta assim? Uma totalidade? Não. Alguma coisa que, partindo da
totalidade, vem a excedê-la: uma totalidade sem resto, uma soma sem exceção, um
lugar sem nada ao lado (‘minha alma não está apenas repleta, mas transbordante’).
Plenitudes:
não são ditas – de modo que, falsamente, a relação amorosa parece reduzir-se a
um longo lamento. É que, se não traz consequências dizer mal a desgraça, em
compensação, relativamente à felicidade, pareceria culpável estragar-lhe a
expressão: o eu só discorre ferido; quando estou pleno ou me recordo de assim
ter estado, a linguagem me parece pusilânime: sou transportado para fora da
linguagem, quer dizer, para fora do medíocre, para fora do geral: ‘Acontece um
encontro que é intolerável, por causa da alegria, e algumas vezes o homem fica
reduzido a nada; é o que chamo de transporte. O transporte é a alegria da qual
não podemos falar’.”
Roland Barthes, in Fragmentos
de um discurso amoroso
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